terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Um punhado de terra


Estou cansado, do meu trabalho, dos meus amigos, da minha família, de mim mesmo, cansado de tudo. O sentimento que me vêm é de saturação. Viver tem me sido um esforço demasiadamente grande para a minha pequena mente distorcida. O simples ato de acordar e me ver sendo obrigado a viver mais um dia me deixa irado. Não queria mais um dia. Não queria levantar cedo e ouvir sermões por culpa de coisas que estão além da minha responsabilidade. Não quero receber cobranças impossível de se cumprir. Não queria ouvir as risadas de crianças que não entendem outra coisa senão a ilusão de uma vida decente. Não queria me humilhar e me arrastar pelas ruas e escadas, sem a mínima força para erguer sequer um copo de veneno, quanto mais para ser altivo, produtivo e sociável.

Meu adágio lamentoso não é mais do o balbucio de uma criança que chora sem conhecer o mundo ou a vida, pode ser verdade, mas o que já vi deste mundo não é mais do que a absoluta decadência. A virtude, a bondade, a perfeição alcançada pelo homem em partes pela arte, só existe verdadeiramente no hiper urânio, aquele sobrecéu onde habitam as formas perfeitas contempladas pelo mestre ateniense. Me envergonho inclusive, de me queixar tanto assim. Sei bem que muitos aguentam situações incomparavelmente piores, mas eu não suporto. Não passo de um erro, um ser humano incompleto. 

Cada minuto do meu dia, afora os instantes de solitude em meu quarto escuro, são uma tortura excruciante. Já estou cansado dos meus olhos marejados pelas palavras frias dos estranhos, cansado de me sentir incompreendido, mesmo sabendo que ao meu redor alguns sentem as mesmas angústias ou até mesmo piores do que as minhas... 

Mas eu olho para onde estou e só consigo enxergar uma figura caquética, presa em sua decrepitude. Anos de estudo, e continuo numa empresa medíocre, dependendo do caridade dos meus pais que, bendito seja Deus por eles, cuidam de mim quando já deveriam ter me enxotado de casa há muito tempo, como foi com meus irmãos. 

Uma vez mais eu contemplo uma figura no espelho, e o que vejo não sou eu, não me reconheço, senão que vejo um homem fracassado, chafurdando no lamaçal da miséria humana, completamente entregue aos caprichos e desejos mais lascivos e primitivos das bestas. 

Não sou homem, apenas um arremedo de homem. Uma casca vazia que, por algum capricho sadomasoquista do destino, ainda vaga por aí sem rumo. 

Dizem que qualquer caminho serve para quem não sabe onde quer chegar. E eu não sei sequer o que estou fazendo hoje, quem dirá onde quero chegar. Eu não sei o que quero de minha vida, eu não sei mais nada! Sei, no máximo, aquilo que não quero. 

Não quero ser comandado por pessoas incompetentes, que destilam sobre mim seu veneno megalomaníaco, fruto de um complexo napoleônico que ainda não diagnosticaram e não tratam. O meu diagnóstico, no entanto, sequer me dá um norte para onde devo seguir. 

Transito entre a depressão e a mania quase psicótica. Uma bicha maníaco depressiva com diplomas que de nada servem para além de arrancar lisonjas tão vazias quanto as palavras que neles estão escritas. Se eles provam que sei de algo, eu discordo repetindo: eu não sei mais nada.

E ainda sinto meu cérebro sendo esmagado por essa realidade. Fugindo dos confrontos, chorando escondido de meus colegas e amigos. Trancafiado, quando não no meu quarto, na minha própria realidade etérea de músicas e símbolos. É como se minha mente aos poucos se dissolvesse, e com ela meu corpo. Dores, manchas, cansaço extremo, nervosismo afetado, descontrole total... Tudo reflexo da névoa de sangue que respiro desde o amanhecer até quando eu me deito.

Estou apodrecido por dento, exalando cheiro de carne semidevorada pelos vermes das ruínas que tanto me espreitaram. Abandonado num jardim que se tornou árido, onde as únicas flores são as rosas diabólicas reais de Afrodite que me impregnam os sentidos, deixando um gosto de veneno e morte em minha boca. 

O sono, antes meu único refúgio, é agora um mundo assustador, onde imagens de monstros e demônios me perseguem e me torturam, não com açoites e cutelos, mas com as mesmas palavras de aço frio que me cortam todos os dias. 

Os pés descalços sob brasas, os braços antes ensanguentados pela esperança de que a dor física aplacasse a dor espiritual. Essa é minha única realidade. Não há sequer uma luz no fim do túnel, ou melhor, uma luz acima do poço. 

Estou cansado, do meu trabalho, dos meus amigos, da minha família, de mim mesmo, cansado de tudo. Já não sei mais o que fazer, senão pensar em desistir. Do trabalho, dos amigos, de tudo. Será esse meu fim? Depois de tantas dúvidas, de tantos questionamentos dialéticos, retóricos e metafísicos, cair no niilismo de uma vida sem razão e sem sentido que se esvai no tempo como cinzas ao vento? Depois de tudo isso me restará apenas esperar que metam um punhado de terra em minha boca? O que me resta senão aguardar os últimos golpes do destino, aqueles que de uma vez por toda porão fim a essa existência miserável, me arrebatando depois de uma coda inequivocadamente trágica. 

Quid sum miser tunc dicturus?
Quem patronum rogaturus
Cum vix iustus sit securus? 

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