domingo, 15 de dezembro de 2019

Do servir


Um breve, e indigno, testemunho de amor a Santa Eucaristia.

Acordei de maneira desagradável, depois de uma noite em que não consegui dormir direito, inquieto e sem ar, acometido de uma incômoda crise alérgica. Minha garganta fechada, a coriza e a dor de cabeça bem fortes. 

Precisava servir o altar na primeira Missa da manhã, e não podia pedir que outro fizesse no meu lugar pois já estava bem em cima da hora. Me levantei com dificuldade, tomei um banho rápido e me forcei a comer mesmo sem apetite. Sentia uma fraqueza, e uma vontade voltar a cama, resultando da melancolia que me acomete sempre que caio doente, o que acontece com certa frequência. 

Cheguei a igreja com certa dificuldade, meu corpo protestava contra o esforço. Cada fibra dos meus braços e pernas ansiava por um descanso desmedido. Como poderia estar cansado depois de uma noite inteira de sono? Mesmo que não tenha sido da melhor qualidade ainda era um descanso. 

Mas eu precisava servir a missa. Mesmo depois de ter confessado ainda não tinha conseguido comungar e, nos últimos tempos, tenho travado uma batalha difícil contra alguns pecados em particular. 

A luxúria tem feito de mim seu escravo e com frequência sou açoitado pelos seus violentos algozes. Contra ela tenho travado uma luta constante, caído diversas vezes, e me sentindo fraco sempre, um traço comum do demônio que costuma nos enfraquecer por meio da concupiscência da carne para nos afastarmos cada vez mais da graça. Há muito não comungava, não me sentia arrependido de meus pecados, que formavam como que um muro entre mim e a graça. Muito embora estivesse sempre à um passo do augusto sacramento não podia tocá-lo e nem recebê-lo em meu coração. Tornara uma morada suja.

Por isso não podia deixar de ir, precisava fazer esse esforço. Foi com certa dificuldade que preparei as coisas para a missa. Sozinho pois os ministros ainda não haviam chegado. Preparei os livros, a credência e me paramentei para a Missa. A celebração foi igualmente difícil, e tive de dividir a minha atenção entre minhas próprias dores, que a esta altura me atingiam as articulações e dificultavam cada movimento, e a saúde debilitada do padre que, mais uma vez, não estava das melhores. Como medo que ele se sentisse mal novamente durante a missa precisava ficar com atenção redobrada sobre ele.

Mas esse esforço valeu, ao fim de tudo. Finalmente, depois de longos meses, pude comungar do Corpo de Cristo. Retornando como o filho pródigo a casa do Pai, que me recebera de braços abertos. Com uma alegria singela. O diabo imprimira em meu coração uma satisfação em apenas servir, sem dele comungar. Sabia dessa tentação, sabia e fingia não saber, preferindo as recompensas imundas de meus desejos lascivos. 

Voltei aos braços do Amado, que me provocara a suportar a aridez da noite escura, me convidando a encontrá-lo naquele jardim secreto, por entre as açucenas olvidado, onde repousa o verdadeiro amor. Oh que ditosa ventura, sair de minha casa pela manhã e receber o augustíssimo sacramento, a maior prova de amor, de um tão indigno servo, tão inclinado aos desejos primitivos da carne como eu. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário