quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Delírios romanticamente realistas

"Em relação à gravidade do assunto, muito pouco se tem escrito sobre o suicídio, nem tem sido devidamente observado. Talvez não seja essa uma doença suscetível de observação.

O suicídio é efeito de um sentimento que denominaremos, se quiserem, a estima de si mesmo, para não confundi-lo com a palavra 'honra'. No dia em que o homem se despreza, no dia em que se vê desprezado, no momento em que a realidade da vida está em desacordo com as sua esperanças, mata-se, e presta assim satisfação à sociedade, perante a qual não quer ficar despojado de suas virtudes ou de seu esplendor." (Honoré de Balzac)

É como se eu esperasse por isso, pelo golpe final, por uma razão mais ou menos aceitável para morrer. Ficaria grato por um algoz que me desse cabo. Sabe quando, nas histórias, antes de um golpe brutal e devastador o inimigo sorri levemente deliciando-se da sua vitória já mais do que certa? Assim eu também sorrio a mim, prevendo a minha derrota. Não é nem pela derrota em si, mas pelo fato de talvez ela me desse um pretexto para morrer ou, melhor ainda, ela seria causa direta dessa morte. De braços abertos a única lágrima derramada por mim é de a alegria ao ver a espada do inimigo póxima a me cortar a cabeça. 

Encontrei o amor dos realistas, o amor que cega e que depois destrói todas as ilusões. Eu encontrei, não posso negar. O mesmo amor de Balzac, Flaubert e tantos outros que mostraram a brutalidade do enamorar-se e fazer tudo por amor. Encontrei a mais negra das pestes, encontrei a desesperança.

Me recordo de ter esperado por um salvador, e talvez por isso os remédios que, verifiquei depois, teriam sido fatais a qualquer um, me foram como uma doença forte mas que passou. Talvez tenham deixado algum sequela que futuramente terei que enfrentar mas, até o momento, só me veio o incômodo de não ter morrido, de ser obrigado a continuar. 

O meu salvador não veio. Até o último momento esperei que alguém mandasse mensagem, ou entrasse heroicamente em meu quarto, forçando-me o vômito. Delírios românticos. Se eu quiser terei de beber até vomitar, sozinho mesmo. Meus delírios são românticamente realisticos. Não ando a contemplar a água em que gostaria de me lançar, como Luciano de Rubempré, porque nesse calor infernal do verão catarinense tudo que sinto ao sair na rua é ódio. Mas até nesse infortúnio sou mediocre, não sou, em verdade, um daqueles desgraçados que, tamanhas ilusões perdidas lhe golpearam a alma, que desejam lançar-se ao fundo de rios, de modo tão elaborado que nem mesmo seu corpo voltaria à superficie, em aparência de horrenda morte.

Por isso esperei pelo pior, e nem o pior sobreveio em mim, não, ele se esqueceu de mim, em minha mediocridade. Nem mesmo uma morte patética o destino me deu. Apenas amores não correspondidos e pessoas banais. Esperei pelo pior, e nem isso essa vida mediocre me deu. Nem mesmo posso alegar um destino terrível para justificar o desespero de me tirar a própria vida.

"O amor, pensava, devia chegar de repente com grande estrondo e fulgurações - furação dos céus que cai sobre a vida, transtornando-a, arranca as vontades como folhas e arrasta para o abismo o coração inteiro." 
Gustave Flaubert

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