sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Duas canecas...

Acordei de novo. Droga.

Eu já estou morto, será que não percebem? O que estão esperando pra jogar um punhado de terra em mim e me esquecerem de vez? 

Continuo acordando, toda manhã. 

Um novo respirar. 

De novo. 

De novo. 

De novo. 

Um inferno sem fim. 

Fui buscar uma caneca de café, me recordei de ter comprado essa numa feira de produtos artesanais, muito abaixo do preço de quase tudo que tinha lá mas ainda muito bonita. Comprei apenas uma, mas pensei que poderia ter comprado um par porque, quem sabe, numa manhã eu poderia voltar a acordar e preparar duas canecas de café. Mas esse não é o caso e então mudei de ideia, comprando apenas mais uma pra minha coleção de canecas sem par.

Voltei pro meu quarto com a minha caneca com água (desisti do café), para tomar meu habitual coquetel de remédios para dormir o dia todo.

Hemitartarato de Zolpidem, 10mg

Clonazepam 10mg, 30 gotas

Diazepam, 10mg

Cloridrato de Ciclobenzaprina, 10mg

Tenho preferido dormir a enfrentar certas realidades, afinal, há coisas que simplesmente não posso mudar. 

Como o fato de que sol vai nascer amanhã de novo, e que eu vou acordar de novo. Droga.

E de que eu preciso trabalhar.

Nós não podemos namorar.

Ele ainda vai me ignorar quando nos virmos.

E que uma tristeza sem tamanho tomou conta de mim. Mas ninguém liga.

Ele nem liga, vai se encontrar com os amigos. E eu deveria aprender a não sofrer por um amor não correspondido. Mas isso eu também não posso mudar. Não posso controlar. Só posso, ao pensar nesse sentimento, tão forte e tão destruidor, lembrar que, em verdade, esse sentimento há muito me matou, quando amei aquele outro um, que também não ligou.

Se já estou morto, por qual razão continuo acordando todas as manhãs, banhado pela luz desse sol maldito, ouvindo os passos das multidões, caminhando pelas estradas de um castigo que parece não ter fim e cujo crime eu nem me recordo de ter cometido? 

Que farei, que patrono invocarei para que me dê uma morte misericordiosa? 

Até quando continuarei acordando e amaldiçoando até mesmo esse fôlego que me enche os pulmões e me obriga a acordar para viver um mundo onde o amor, a mais doce das mentiras, é também a mais negra das pragas?

É uma manhã de carnaval bem quente, ideal para os foliões, mas eu estou imerso em melancolia. Amanhã será igual. E depois volto para a rotina, com as pessoas me fazendo um monte de perguntas e me pedindo para fazer o que elas não querem ou têm preguiça. Esse sou eu, alguém que os outros se lembram quando precisam de algo porque me dediquei a aprender coisas sobre as quais ninguém mais liga. 

Tudo isso porque acordei. 

De novo. 

E amando mais uma vez. 

Droga.

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