quinta-feira, 25 de abril de 2024

Busca

Lovers, Jaroslaw Datta

"Ah, o amor, sabe... O corpo, o amor, a morte, esses três formam um só." (Thomas Mann)

Passei a tarde pensativo e, admito, bastante deprimido, o que não é novidade. Por alguma razão ficava abrindo o aplicativo de encontros casuais, até que acabei marcando um encontro. 

Se preciso começar por me amar, por encontrar em mim o suficiente para não buscar no outro, se precisa ser assim, talvez devesse buscar um apoio externo, algo que me fizesse sentir desejável, no mínimo, que elevasse minha autoestima. Eu sabia, já de antemão, que esse não era o caminho certo, mas mesmo assim eu me arrumei rapidamente e fui assim mesmo, durante todo o caminho, mais ou menos vinte minutos, uma voz me dizia para voltar. 

Fui rejeitado, claro. Voltei perdido por aquelas ruas e demorei a encontrar meu rumo de volta. Vim o tempo todo amaldiçoando baixinho e me perguntando, por que é que todos conseguem, menos eu? Qualquer um, marca um encontro no Grindr e consegue o que quer, eu não consigo nem mesmo isso, eu sou tão diferente assim dos outros? E você, você me rejeitou, mas por que até mesmo estranhos me rejeitam desse jeito? Qual é o problema comigo? Se não posso ser desejado por você, por que é que nem pelos outros eu posso ser desejado?

Acabei passando na igreja que fica no caminho para minha casa, sob os olhares confusos daqueles que não esperavam me ver ali aquela hora, com a celebração já em andamento, suado e com a expressão alucinada. Me sentei na sala do Santíssimo Sacramento, e ouvi toda a Liturgia da Palavra, especialmente quando o salmo cantava "É melhor buscar refúgio no Senhor, do que pôr no ser humano a esperança" (Sl 118), mas não ouvi muito, além disso, embora essa frase tenha ecoado, e talvez tenha sido isso que Ele que quisera me dizer ali, enquanto o olhava, envergonhado, com uma camisinha e lubrificante no bolso, diante do Sacrário, confessando toda a minha baixeza e desejo pelo pecado, além da minha óbvia condenação.

Agora, de volta ao meu quarto, pensei em dormir, e não responder mais você, mas acho que seria só criar outro problema. Mas os questionamentos continuam. Se não posso ser desejado por você, por que é que nem pelos outros eu posso ser desejado?

Vim o tempo todo amaldiçoando baixinho e me perguntando, por que é que todos conseguem, menos eu? Qualquer um marca um encontro no Grindr e consegue o que quer, eu não consigo nem mesmo isso, eu sou tão diferente assim dos outros? E você, você me rejeitou, mas por que até mesmo estranhos me rejeitam desse jeito? Qual é o problema comigo? Se não posso ser desejado por você, por que é que nem pelos outros eu posso ser desejado?

Pensei até em falar sobre isso com você, mas de que adiantaria? Eu ainda acho que você nunca levou a sério meus sentimentos. Ou não acredita neles, ou, se acredita, não se importa. Mas, afinal, por que haveria de se importar, não é? Em nenhum momento você pediu por esses sentimentos. Eu que os entreguei assim, de bom grado. Não, não vou te enviar, e se ler aqui é porque sabe que não tenho outro lugar para escrever ou com quem conversar, eu não tenho mais ninguém, e você ainda ousa me perguntar por que é que não te conto minhas decepções amorosas, em mais uma cômica demonstração de que não acredita ou não se importa comigo, já que meu único amor é você. 

No fim, me resta só mesmo o grande vazio e o questionamento: qual é o problema comigo? Se não posso ser desejado por você, por que é que nem pelos outros eu posso ser desejado?

Foi necessária uma noite e uma manhã, durante um estudo sobre História da Igreja, num capítulo sobre Santo Agostinho, o contato com esse gigante que durante décadas também buscou por respostas, para que eu percebesse que, esse tempo todo, apenas estive andando em círculos.

Cada linha que escrevo contém tudo de mim, e ninguém nunca entende nada. Fiz rudo o que podia, agora depende apenas de sua compreensão e do seu livre arbítrio.

"Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova. Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus, mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração. Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava. (...) Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar, cada vez mais, d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava. Eis que estavas dentro e eu fora! Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo." (Santo Agostinho)

2 comentários:

  1. Nada que não possa se resolver com um milhão de reais e uma cartela de lexotan, gabs querido.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Manda o lexotan que vou tomar com uma boa dose de absinto!

      Excluir