sexta-feira, 5 de abril de 2024

Força e maturidade

Marooned, Howard Pyle

Aos homens mais fortes é dada não a fragilidade do feminino mas a força vital desse espectro. Aliás, sempre estranhei quando as pessoas ao meu redor falavam de mulheres como frágeis sendo que as pessoas que eu conhecia, e conheço e reconheço, como as mais fortes, eram justamente mulheres. Hoje, entendo que essa forma de dizer, que via justamente dos menininhos fracos da escola, era um tipo de compensação pela constatação da própria fraqueza e da força daquelas que, já na nossa idade, eram mais fortes do que nós. Até ao homem mais forte compete-lhe o sentir pelo ser que o gerou. Ainda que hoje renegue e maldiga essa existência, ainda que o ser lhe seja um fardo desagradável, ainda há no homem esse resquício de agradecimento, puro e íntimo, por aquela a quem rasgamos o ventre e viemos a este cenário de dementes. 

Aos poetas, que talvez sob o olhar dos outros homens sejam os mais fracos dentre os homens mesmo, é dado-lhes o sentir, o sofrer, o penar e, quem sabe, talvez participar dessa mesma apreensão íntima e que é compartilhada por todas as mães. Aos homens que choram por aquelas que os gerou, que conseguem sentir um pouco dessa insegurança diante do futuro desconhecido. 

Por isso, que mais posso fazer além de fechar os olhos e súplice oração, e pedir que ao menos se acalme meu coração, tão ferido e machucado, para conseguir terminar esse dia em paz. 

Não consegui dizer mais do que isso. Acho que estou preocupado demais pois, em uma hora, mais ou menos, minha mãe entrará na mesa de cirurgia e, pelo que me recordo, da última vez ela quase não saiu com vida. Por isso aquela apreensão da criança assustada retornam em preces desencontradas porém sinceras, mas também certas daquela resolução profunda que tomei tempos atrás, de que meu fim não poderia se dar antes do dela, mas caso seguisse o curso natural das coisas, eu não faria cerimônia em partir logo depois, visto que já não haveria por aqui ninguém mais a quem devesse a profunda dívida do existir. 

E acho também que fiquei sensível demais, me deixei afetar demais por isso. Acabando ficando meio irritadiço, mas bem, todos têm sua cota de extrapolação não? Ou será que só os outros podem reclamar por pouca coisa? Também eu posso reclamar como um bobo, ou não?

Diante do perigo da morte, o homem encontra então a régua com que pode medir as coisas que de fato importam nessa vida, as ideias dos náufragos como dizia o filósofo. Bom, no momento me encontro à deriva, e bem poucas coisas me tomam o lugar da mente, a maior dela continua sendo a imortalidade da alma, só consigo pensar nessa passagem, que todos chamam morte, que vejo como dizia São Francisco de Assis, como a uma irmã. 

Não espero por um milagre, tampouco espero uma catástrofe, e penso que isso é ser realista. Só o que posso é sentar esperar, passar um café, e torcer para que tudo dê certo, mesmo que ninguém nunca tenha me escutado.

"A velha garota era simplesmente mais uma criatura solitária em um mundo indiferente a todos nós." (Charles Bukowski)

X

"Todo o ouro que se acha sob o Sol não bastaria a dar repouso a uma só destas almas." (Dante Alighieri)

Mais uma vez eu envergonho o próprio caminho que decidi seguir, sei bem que eu é que preciso compreender as situações e ir além, e não exigir do outro que tenha o discernimento adquirido com conhecimento e experiência. Mas é justamente nesses momentos que se prova e se solidifica essa maturidade. É preciso suportar. Eu acho. Mesmo admitindo que nesse momento eu também queria um abraço forte, um colo e um cafuné. Queria, mas é como se desejar isso fosse ganância demais para alguém como eu. Se aos gananciosos é dado lugar especial no quarto círculo do inferno de Dante, a mim é dada a percepção brutal de uma vida solitária.

E por falar em quarto circulo do inferno, percebi a minha ainda imaturidade na ansiedade generalizada desses dias. Esperando por um afeto que não viria, com medo, com raiva, sentimenos simples e pobres mas que tomaram um bocado de espaço da minha atenção, que me fizeram ficar irritadiço, como quem não sabe administrar o básico da vida. Exigi atenção como a um namorado, e me irritei por não ter. E í vieram à tona todos os sentimentos que vinha guardando e reprimindo há muito por não ter tido nem mesmo uma resposta séria até hoje. Esperei maturidade e compreensão no trabalho, onde sabia que não teria. Me vi quase chorando prostrado por ter de conciliar preocupações em âmbitos diversos, quando isso é o mínimo exigido de alguém. 

Isso me mostrou minha infantilidade. Isso me mostrou uma vez mais aquilo que já sabia na teoria mas que preciso conseguir colocar na prática não como quem faz algo conscientemente, mas internalizar esses movimentos da alma, essas reações, como quem automatiza uma atividade antiga, e assim entender que não é possível esperar das pessoas ao meu redor aquilo que eu preciso oferecer. É como se eu quisesse estudar e compreender mais profundamente a alma humana e esperasse que todos estivessem na mesma jornada, dando os mesmos passos. É preciso que eu amadureça, é preciso que eu cresça. 

"A filosofia não é para as almas toscas, mal arranjadas, provisórias e meio submergidas no “inconsciente”. A filosofia pressupõe a maturidade, num sentido muito mais exigente do que a mera adaptação ao entorno imediato que esse termo usualmente designa. A filosofia responde a perguntas que só o indivíduo amadurecido pode fazer a si mesmo e, nesse sentido, ela, radicalmente, não é coisa para crianças, seja no sentido etário do termo, seja no sentido daquele resíduo de puerilismo que parece irremovível da alma da quase totalidade dos nossos contemporâneos." (Olavo de Carvalho)

Nenhum comentário:

Postar um comentário