domingo, 14 de abril de 2024

Uma dor que vem de dentro

Preciso conseguir me posicionar, e dizer que não posso mais permitir ser sacrificado desse modo. Dar o meu melhor não significa dar tanto a ponto de não sobrar nada de mim mesmo, e isso precisa ficar claro. Preciso que reste algo, ainda que não muito, para que eu possa dar algo, me doar em algo, me dedicar a algo. É preciso que haja água no jarro que se derrama para lavar os pés do outro. 

E então me encosto num banco antigo de madeira, olho pela janela de grades pretas e o sol brilha forte lá fora, mesmo que tenha amanhecido chovendo e cinza, já chegando com os tênis molhados no trabalho, e as flores parecem respirar fundo um pouco de ar fresco, depois de dias de um calor incômodo. Ou talvez seja eu que esteja respirando fundo, ou suspirando, sentindo o cheiro do café na minha frente misturado com a essência de Peônia Doce que coloquei no ambiente. 

No meu peito aquela resolução que tomei num momento de tristeza profunda ecoa melancólicamente, como um violino que se esqueceu de terminar e prolongou demais as últimas notas de um adagio lamentoso. Eu não quero mais sofrer, mas não sei se tenho forças o bastante para romper com esse ciclo de dor. 

Ontem senti algo que há muito eu achei que não sentiria. Uma dor, igual a daquela em meu período mais obscuro, antes de entrar na depressão profunda, igual a que sentir pouco antes de ser abandonado por meus amigos, a dor que senti quando aquele homem me recusou um abraço e que exigiu que me aproximasse, me desculpasse e fosse como um padrinho para o relacionamento ideal que ele criou com uma mulher que eu sabia que não o queria e que eu sabia que o faria sofrer, não porque eu desejasse isso, mas porque sabia que, entre nós dois, só eu o amava de verdade. E então ele me desprezou, de modo tão desumanamente brutal que eu me fechei de tal que acabei mergulhando no abismo profundo da depressão por anos. 

Antes desse episódio, que hoje é apenas um borrão de meses na minha cabeça, eu sentia essa dor, essa ansiedade extrema, que me deixava sem comer por vários dias inteiros, que me fazia enjoar, que já me dificultava até mesmo fazer as coisas mais elementares que sempre fiz e fazia, e já não conseguia mais dar conta. Era um pesadelo pensar nele, estar com ele, saber que ele ia chegar. O que era um doce sonho se tornou um pesadelo tremendo. 

E essa dor voltou. 

E tem doído tanto, tanto, e parece que não há nada que eu possa fazer, mesmo querendo enfiar as mãos dentro de mim mesmo e arrancar todas as entranhas de modo a tirar também esse sentimento, mas não dá, e eu só fico aqui, sentindo essa dor, horrenda, que não cessa, não diminui e eu não consigo esquecer nem quando penso em outras coisas. 

Apenas dói, e dói, e continua doendo. 

E continua

doendo.

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