terça-feira, 2 de abril de 2024

Dormindo um pouco

Como é bom poder descansar! Ah, finalmente eu pude me deitar sem me preocupar com o que fazer no dia seguinte, então pude deixar o efeito dos remédios pouco a pouco irem tomando conta de mim. Foi simplesmente maravilhoso e há muitas semanas esperava por isso!

Fiquei o dia todo deitado, dormindo a maior parte do tempo mas, no restante, ouvindo música baixinho, aproveitando o tempo ameno do outono e o silêncio de me manter afastado das redes sociais.

E é claro que poder passar um tempo assim me permitiu também reorganizar alguns pensamentos, como perceber que, em meio aquela loucura das últimas semanas, com o caos do trabalho e as preparações para a semana santa, eu ainda pensava nele, tolamente. E então, deitado sozinho, tive uma vez mais como que uma espécie de revelação, de que o amor não é para mim, e então eu amadiçoei esse sentimento, tão básico, tão falado por todos, tão procurado, tão explorado, mas que não é para mim. 

Até algumas pessoas dizem me amar, mas não é verdade, elas podem admirar algumas coisas em mim, podem admirar o fato de eu responder algumas perguntas ou de as apoiar, mas não me amam, sempre colocam um muro entre elas e eu. Podem me tocar a mão ou me sorrir gentilmente, mas é tão e apenas isso. E até aqueles que conseguem se entregar a estranhos conseguem algum tipo de conexão, enquanto eu contiuo sozinho. Descansando, sim é verdade, mas sozinho. 

Por isso escrevo essas palavras brevemente, registrando um pouco do que sinto, e torno a dormir, aproveitando enquanto posso brevemente descansar. 

Como eu esperava, eles não notaram, nem minha presença e nem minha ausência. O toque breve de nossas mãos, em que senti a delicadeza inesperada daquela pele fria, foi esquecido rapidamente, não foi mais do que isso, como duas pétalas que se tocam ao voarem por aí, levadas sem rumo pelo vento forte. E quanto a ele, bem, nem sequer deu conta de minha presença, tamanho volume de informações na sua mente, não havia ali espaço para mim, para meu amor. 

Nunca há espaço para mim.

E esse já é o terceiro dia em que me encho de remédio para dormir o dia inteiro, e hoje à noite ainda tenho uma reunião, provavelmente sobre alguém que reclamou algo de mim para o padre, é sempre assim. Não estou preocupado, aliás, se me pedissem para sair imediatamente eu faria com alegria. Eu não dou à mínima. 

Poucos minutos depois de o salário ter caído na conta o dinheiro já havia ido todo embora, e é sempre assim, mas a quantidade de trabalho não diminui, pelo contrário, aumenta cada dia mais. De que adianta todo esse trabalho, todo esse esforço se, no fim, não há nenhuma recompensa além de mais trabalho? A vida é esse lixo e ainda querem que a gente fique feliz com elogios sobre nosso esforço e toda essa porcaria. 

É por isso que eu durmo sempre que posso, pelo menos essa é uma recompensa quase gratuita, e quase porque eu ainda preciso trabalhar para ter dias de folga. Do que adianta todo esforço se, no fim de semana, não vou conseguir nem mesmo ir a festa daquele amigo ou comer algo diferente? E querem que a gente fique feliz por essa miséria.

Em casa é a mesma porcaria. Continuam brigando e se enfurecendo por causa daquela criatura espúria. Eu já finjo que não tenho nada com isso, querem continuar na sua cegueira do encarar a verdade que deixá-la ir. Não entendem que isso seria o melhor para todos. E isso me irrita profundamente porque ficamos vivendo tentando equilibrar situações que não são mais sustentáveis. 

Não há amor. 

Não há dinheiro. 

Não há harmonia. 

O que há de errado com todos? 

Queria poder simplesmente sair e me mudar, morar sozinho e não precisar me preocupar com isso, me isentar dessa convicência horrenda. Mas, como dito acima, isso é impensável, eu preciso me controlar para conseguir comprar o que comer durante o mês, mesmo trabalhando tanto, como pensar em morar só? Preciso aguentar essa situação. 

Preciso aguentar essa situação? Não poderia simplesmente dar fim a isso de algum modo? Por qual motivo eles não percebem que nossas vidas seriam mais fáceis se simplesmente desistissem deles? Já desistiram de mim, que diferença faria?

Minha reunião foi cancelada, mas ironicamente descobri que alguém reclamou porque não faço reuniões o suficiente. As pessoas daqui estão afogadas na própria burocracia, tudo precisa ser aprovado, assinado, carimbado em três vias reconhecidas em cartório, tudo é muito complicado. São todos uns idiotas, em intermináveis reuniões sobre o que falaremos nas próximas reuniões. 

Então amanhã eu preciso voltar ao trabalho, inferno, e já não tenho mais dinheiro nenhum, e hoje ainda é o segundo dia do mês. Acho que eu ganho mais se eu voltar a dormir. 

X

"Nunca me senti só. Durante um tempo fiquei numa casa, deprimido, com vontade de me suicidar, mas nunca pensei que uma pessoa podia entrar na casa e curar-me. Nem várias pessoas. A solidão não é coisa que me incomoda porque sempre tive esse terrível desejo de estar só. Sinto solidão quando estou numa festa ou num estádio cheio de gente. Cito uma frase de Ibsen: ‘Os homens mais fortes são os mais solitários’. Viu como pensa a maioria: ‘Pessoal, é noite de sexta, o que vamos fazer? Ficar aqui sentados?’. Eu respondo sim porque não tem nada lá fora. É estupidez. Gente estúpida misturada com gente estúpida. Que se estupidifiquem eles, entre eles. Nunca tive a ansiedade de cair na noite. Me escondia nos bares porque não queria me ocultar em fábricas. Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.” (Charles Bukowski) 

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