domingo, 31 de março de 2024

Minha breve experiência pascal

Foi uma das quaresmas mais difíceis que já vivi, passei por humilhações extremas e nem sei quantas vezes pedi que desaparecesse, simples assim, sumindo no ar, já que não podia simplesmente desistir, coisa que meu senso de responsabilidade não me permite fazer. E então eu fui, e continuei, e lutei, e insisti, até que não sobrasse mais nem mesmo tempo ou vontade de viver algo mais...

Não nos vemos há várias semanas, cruzamos rápidamente uma ou duas vezes e ele nem sequer notou minha presença mas, hoje, enquanto cantava, eu olhava diretamente pra ele, e era como se aquelas 300 pessoas não estivessem lá, eu só queria que a minha voz o alcançasse, e por isso cantei com todo o restante de força que ainda tinha. Vou dormir, a primeira vez que deito sem me preocupar se conseguiria ou não formar um coral com pessoas que nem mesmo se conheciam e que não queriam cantar juntas umas com as outras... 

Vou dormir, liberto, sonhando que talvez minha voz o tenha alcançado...

... Mas sem esperar mais do que nossa habitual distância.

E qual foia  minha surpresa quando ele se aproximou de mim para me fazer uma pergunta pela segunda vez, e ainda uma terceira, e o sorriso tímido mas genuíno com um sinal discreto entre servidores de altar que eu lançei a ele. Ao ite Missa est, Aleluia, aleluia, eu delicadamente toquei a mão dele, que repousou sobre a minha, fresca, delicada, não parecendo alguém que joga vôlei todas as noites.

O salmista canta que sua "alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo" no salmo 41 (42)  e mais à frente ele afirma "subirei aos altares do Senhor, Deus da minha alegria." Numa parafráse eu trago essas palavras ao meu coração ferido de amor: a minha alma tem sede daquela presença, subindo ao lado dele eu teria a minha alegria. Essa é minha salmódia, tantas vezes tornada em Lamentações. "Ferida de amor não se cura, senão com a presença e a figura" diz São João da Cruz.

Esses dias foram, é claro, cheio de impressões que eu não podia registrar naqueles momentos. Como ao ouvir as preces pelos batizados na Vigília Pascal. Em nossa comunidade não tivemos batizados, mas nas comunidades vizinhas sim, e minha amiga mandou foto do seu afilhado de quize anos que recebeu o santo Batismo na Noite Santa, e eu me alegrei por ele e ela pois agora somos todos membros do mesmo corpo de Cristo. 

E numa conversa com minha queria amiga Patrícia falávamos sobre como nos portamos, em como nos doamos tanto a ponto de não sobrar mais a nós, e que a virtude da temperança aqui é fundamental para que, ajudando aos outros, eu cosiga manter-me firme nos meus propósitos sem me exaurir. Ela me fez perceber, uma vez mais, o quanto me dei e com isso atrai quem apenas queria me sugar, de modo que , aprendendo o equilíbrio eu devo conseguir encontrar a alegria do dar e do receber. 

E que tem a ver todos esses assuntos? Bom, tudo está interligado. Seja o meu amor, ao cantar olhando para ele que, no fundo da igreja não deve ter me visto, ainda mais com as luzes apagadas. Mas a luz do círio em meio às trevas nos lembra que há esperança, e cantei ao lado daquela luz, silenciosamente em meu coração repetindo a prece do Precônio "O círio que acendeu as nossas velas, possa essa noite inteira fulgurar. Misture sua luz à das estrelas, cintile quando o dia despontar." É uma luz que ilumina as trevas durante a Noite Escura, durante aqueles momentos de maior desesperança, mas que não se limita a isso, ela se une a luz das estrelas, enfinitamente maiores em números, e brilha com vigor quando passa o período de árduo deserto. 

Também a luz do círio não perde ao dividir o seu fulgor, quanto mais velas ele acendia, mais brilhava vivamente, e mais iluminava ao redor, O que me traz de volta ao equilíbrio de doar a minha luz sem perder com isso meu fulgor. E então, quem sabe, animado eu pois pela ressurreição do Cristo, possa vislumbrar mais uma centelha de esperança, simbolizada pelo fato de que não sei se toquei seu coração com minha voz, mas no dia seguinte recebi o toque gentil de nossas mãos...

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