domingo, 17 de março de 2024

Prantos que correm

Já estou experimentando aquela fase do luto, aquela em que ainda na presença da pessoa me preparo para sua ausência. Porque é sempre assim, antes da ausência real ela se anuncia em sinais que, para o observador, são claros como a luz do dia. Isso porque o amante tem o amado sempre diante de si, então é fácil perceber quando ele está prestes a dar as costas e partir. 

Então isso vai acontecer mais uma vez, mais uma despedida, e ainda dói tanto quanto a primeira. Não deveria ser assim, achei que já estaria acostumado, tanto em corpo quanto em espírito. Mas já ando por aí como se uma parte de mim tivesse me sido arrancada com violência. E o foi, não sobrou nada além de uma casca vazia a vagar, meu coração lentamente a parar.

Mas eu já sabia que ia ser assim, sabia e fingiar não saber. Mas, em algum lugar, em algum cantinho remoto, havia ainda uma centelha de esperança que me dizia que, dessa vez, o meu esforço seria recompensado. Estava errado. Apenas fui útil enquanto necessário, apenas era companhia quando ninguém mais queria, mais uma vez eu fui descartado.

Claro que, mesmo em meio a todo esse pessimismo, ainda me restam alguns questionamentos, eu ainda não consigo identificar o que exatamente há em mim que afasta a todos... Será que, em algum breve instante, ele pensa no meu amor? Mas, não adianta perder tempo com esse tipo de devaneio, de todo modo é tarde demais.

Eu só preferiria que ele me enfiasse logo uma lança ao peito, dando cabo de mim de uma vez por todas, sem fazer com que, lentamente, meu sangue se esvaia assim, em choros e prantos que correm a noite toda.

"Ques és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada." 
(Hilda Hilst)

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