domingo, 10 de março de 2024

Indivíduo e Destino da Humanidade

A internet não precisa de mais uma análise dizendo o óbvio que se recusam a enxergar que o segredo para uma boa adaptação está na fidelidade ao material original em equilíbrio com os elementos necessários a, pasmem, serem adaptados na mudança da mídia em questão. Claro que, em se tratando de mídias diferentes, onde se explora modos diferentes de dizer coisas sobre a experiência humana essa passagem é sempre complicadíssima, por isso temos tantas adaptações lamentáveis mas, por outro lado, outras promissoras em vários sentidos. Mas, como disse, muita gente já fala sobre isso e, espero que quem tenha dinheiro para financiar as próximas temporadas de Avatar: O Último Mestre do Ar os escute e continuem o trabalho que, ao meu ver, foi nada menos do muito primoroso nesse primeiro livro dos três que compõem a saga do mestre dos quatro elementos.

Mas não é isso que quero falar, sendo apenas um elemento central da trama e que perpassa por todos os três livros que me faz querer refletir num aspecto que pode ser tomado para crescimento particular. 

Olavo de Carvalho fez um trabalho primoroso ao descrever a sua Teoria das Doze Camadas da Personalidade e, hoje em dia, com a rasa maturidade das pessoas no geral, é raro ver uma construção efetiva ser feita nesse campo. No entanto, em se tratando desse aspecto, acredito que A Lenda de Aang tenha bons exemplos a serem observados, sendo um dos que mais me chama ateção, mesmo vendo a longa jornada de crescimento de todos os protagonistas, é a jornada de Zuko em busca da retomada de sua honra. 

O príncipe exilado da Nação do Fogo, rejeitado pelo pai desde a tenra idade, que lhe disse as duras palavras que seu filho teve apenas sorte por nascer, não sendo mais do que um degrau para sua irmã, a legítima herdeira do trono por sustentar em seu espírito o desejo se tornar-se senhora de todo o mundo através da conquista por meio da superioridade do elemento violento do fogo. 

Zuko, e aqui me admiro ter ficado atento mais ao personagem do que à beleza do ator Dallas Liu que o interpreta (com exceção da cena do combate em que ele aparece sem camisa, ali eu não lembrava mais nem do meu nome), inicia sua jornada apenas como um príncipe que queria retomar ao seio de sua nação e assumir seu lugar de direito. No fundo, encontrando-se em plena camada 4, em busca da aceitação do meio, ele já acreditava lidar, desde muito novo, com a questão de sua vocação ao trono. 

Os constantes fracassos, a rejeição da família bem como a aceitação vinda de onde menos esperava, como seu retono a tripulação que anteriormente salvara e o jovem Avatar que sinaliza sua vontade em buscar conciliação entre suas jornadas, o fazem avançar a camada seguinte de desenvolvimento ao perceber que deve crescer e realizar por si os seus feitos, mas ainda preso ao objetivo inicial que cria ser a única ponte de volta ao trono. 

É no ápice de sua jornada, quando ele reconhece os erros da sua nação, a fixação de sua família pelo poder e pela dominação do mundo, quando ele aceita a punição de ser julgado pelo grupo a que se juntou tomando para si a missão de treinar na dobra de fogo o Avatar que antes era apenas uma criatura a ser capturada e um empecilho nos planos dos dominadores de fogo. Zuko ao longo dos anos passa de um príncipe que apenas queria ser aceito como tal e se vê diante de uma vocação muito maior do que a de Senhor do Fogo. Embora o papel de mestre do Avatar seja menos glorioso no sentido hierárquico daquilo que ele acreditava ser sua vocação, ele na realidade acencd aos patamares das camadas mais altas da personalidade ao tomar controle de um destino que vai além da sua história ou da de sua família: ele se torna parte da história do mundo, e muda o fluxo dessa história, assim como reaprende a sua dobra por meio da respiração primordial dos dragões. 

Ele não se encontra mais apenas diante da sua irmã prodígio da dominação ou do pai, temido em todos os povos, e nem mesmo pelo tio, o exemplo de virtude que contrasta com o seu berço falido. Ele se encontra diante do destino da humanidade e do seu papel como indivíduo que vai ajudar a moldá-la, um destino, uma vocação, muito maior que qualquer trono poderia lhe oferecer. O príncipe Zuko, então Mestre Zuko, aquele que ajudou o Avatar a parar a guerra que colocaria todos os povos sob a bandeira de uma única nação, se encontra então numa missão infinitamente maior, que abarca e transcende até mesmo aquela que ele antes tinha pra si. 

E isso não e feito sem a dor das derrotas, sem as constantes digladiações com o outro que parece sempre mais senhor de si e de seu destino. Zuko encontra nos sucessivos fracassos a força necessária para alcançar uma vitória tão maior quanto mais silenciosa, que se revela apenas muito sutilmente na mudança de sua aparência, onde o antigo cabelo comportado e a farda principesca dão lugar ao jeito desleixado que inclusive tampa parcialmente a cicatriz, simbolo não de sua falta de honra, mas consequência de uma época em que ele não sabia do seu papel no mundo. 

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