sexta-feira, 22 de março de 2024

Aforismos sentimentais

"The Reader" - Ferdinand Hodler


Diagnóstico
Sentimento faz mal pra saúde

(Cacaso)

Não posso mentir, nem mesmo em meio ao caos de todas as conversações e preocupações, ouvi-lo me chamando de amigo fez algo se remexer aqui dentro, como se as borboletas no meu estômago, há muito mortas, voltassem brevemente a vida apenas para reagir a essas palavras. Sei que ele poderia estar bêbado, afinal era seu aniversário de 18 anos e ele já pode beber oficialmente, ou ele talvez só estivesse ocupado e distraído. Mas, poucos minutos depois da meia noite, ele me chamou de amigo, e parecia contente. Talvez algumas borboletas possam voltar a voar aqui dentro...

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O vazio toma conta de mim nessa manhã quente. Parece que todos estão se escondendo do calor. Eu também estou me escondendo ainda, embora nesse momento de luto quisesse alguém que ficasse ao meu lado, em silêncio. Por isso eu não respondi à mensagem dele. Eu entendi a profundidade daquilo, que a distância não era suficiente para separar corações que estão juntos, e é verdade, mas é verdade também que ele não vê o que isso implica e o que isso significa de verdade. E então me machuca quando diz isso sem saber o que significa para mim. E então eu me entrego ao vazio e me escondo de tudo e todos também, nessa manhã de calor.

Me entrego ao vazio de nunca ter tido uma resposta clara, mesmo sabendo a verdade com clareza. Me entrego ao vazio do abismo que cavei com minhas próprias mãos que, agora vejo, estão cheias de sangue e terra. Me entrego ao vazio de ser patético, e sempre amar sem ser correspondido, de ser esquecido quando qualquer pessoa dá as costas à mim. 

Mais uma vez ele usou aquela palavra para me machucar, mostrando não algo que nos aproxima, mas um limite que ele levantou entre nós. E mais uma vez eu desejei do fundo coração não sentir isso novamente por mais ninguém, não sentir isso por ele que, à distância, não percebe o laço que nos une e insiste em nos separar, e nem por ninguém mais, como os meninos que passaram pela minha rua de madrugada, sorrindo e brincando, inconscientes da minha existência. É claro que eu não faria parte disso, afinal quem sou eu? 

Você entende o que significa dizer que a distância entre nós não nos separa? 

Talvez seja a dolorida lição que aprendi ao rever I Told Sunset About You, o quanto é duro esperar por alguém que não sabe o que quer, que não diz a verdade inteira e que está confortável do jeito que está por medo de encarar a si mesmo. O quanto é cruel e humilhate dar tudo de si a alguém que não pode, ou muitas vezes não quer, fazer o mesmo.

Já na noite de domingo eu sinto o quanto sou dispensável na vida de todos, ocupados com seus problemas, com seus encantamentos... Com aquele convite daquela pessoa especial que, embora conheça há bem menos tempo que eu, já goza de grande prestígio, ou das ansiedades e medos futuros.

Fico aqui, na noite escura, ouvindo música baixinho, e pensando em todos aqueles que sequer se lembram de mim.

Se eu o abraçasse, num abraço apertado ou num daqueles ternos carinhos, ajudaria alguma coisa? Mas não é por mim que ele quer ser consolado. Eu tenho uma serventia limitada, faço o que ninguém mais quer fazer, e isso poderia ser motivo de orgulho para mim mas, se isso também é a causa de tamanha solidão, não faço senão amaldiçoar a minha vida por estar sempre só. 

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"O que sempre e em toda parte me surpreendeu na vida real é que, até a idade avançada, nunca consegui formar uma noção razoável da pequenez e da miséria do ser humano." (Schopenhauer)

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Quando olho ao meu redor já não vejo mais pessoas, nem mesmo as que convivem comigo, ou as que estão distante. Tudo o que vejo são os muros que nos separam, as barreiras levantadas, os limites de suas consciência que, não raramente, são usados como arma para me afastar, e assim eu continuo sozinho, numa existência miserável. Não porque me faltam comida ou um teto, não, mas porque me faltam pessoas, humanas.

Não consigo deixar de pensar, quanto mais olho e escuto as pessoas ao meu redor, que aquele homem que tirou a própria vida tomou a decisão certa. Não havia mais razão para continuar. E os outros falam em pedir ajuda? Para quem? Houveram sinais, e mais do que simples rumores, mas as pessoas continuam sendo um peso umas para as outras. Quando alguém pede ajuda ela recebe um sermão, ela recebe essas estúpidas mensagens de positividade, otimismo e gratidão. Gratidão pelo quê? Pelas pessoas patéticas que nos rodeiam e que ignoram o óbvio? Que se recusam a ver o outro? 

Eu sabia que isso ia acontecer e, de algum modo, senti quando aconteceu. Mas todos os outros só souberam apontar o dedo e dizer que ele deveria ter pedido ajuda de quem menos poderia ajudar. Não o culpo, pelo contrário, me solidarizo, e talvez siga os passos dele um dia, sem pedir ajuda para receber em troca um sermão ou que me peçam para me animar. 

Olho para essas pessoas e só consigo pensar que tirar a própria vida e se livrar de todos nós foi a melhor coisa que ele poderia ter feito.

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