segunda-feira, 11 de março de 2024

Nuances

Fico tocado quando chama a atenção para essas nuances que, muitas vezes, nem eu mesmo percebo em mim. Às vezes volto a pensar que esse personagem que criei, essa criatura sorridente e inteligente, é uma condenação a qual eu mesmo me inflingi. Acontece que as pesssoas simplesmente não percebem nada disso, no máximo às vezes notam o meu cansaço físico, apenas isso, mas captar essas minhas nuances, saber a diferença entre meu cansaço, minha depressão, entender quando estou nas mais diversas fases e trocas de humor, quando me chateio com algo relacionado a ele ou aos outros, quando estou preocupado, quando estou irritado, essas coisas ninguém mais vê. 

E talvez por isso mesmo eu me preocupe, em ficar tão exposto assim porque isso significa que ele poderia fazer o que quisesse comigo, e quantas vezes as pessoas não usaram essa oportunidade para me destruir? Mas não era esse o ponto de hoje. 

"O animal sente e intui; o homem, além disso, pensa e sabe. 
Ambos querem. 
Enquanto o animal comunica sua sensação e disposição por gestos e sons, 
o homem comunica seus pensamentos aos outros mediante a linguagem, 
ou os oculta por ela. 
Linguagem que é o primeiro produto e instrumento necessário da razão." 
(Arthur Schopenhauer)

Ele falou sobre como eu perdia tempo falando com ele, sendo que é a única pessoa com quem converso todos os dias, inclusive nos mais difíceis. E isso, antes de ser perda de tempo, é algo que eu teria grandes dificuldades em conseguir explicar, senão por simbolos e imagens. 

Isso porque ele nem imagina quantas vezes me salvou, me arrancando da letargia, quantas vezes me lembrou do caminho certo justamente por me pedir que lhe indicasse esse caminho, quantas vezes me fez melhor, por buscar conhecer mais coisas que me pedir para lhe ajudar a entender. É uma relação complexa mista de vida intelectual, espiritual e amizade, amor.  

Essa trama complexa, onde palavras com aparência de banalidade revelam desejos e virtudes profundas, uma luta constante contra vícios e uma busca pela sinceridade e pela verdade, essa trama é onde nos encontramos. 

E claro que eu poderia fazer aqui uma longa defesa em como isso seria motivo mais do que suficiente para que ela fosse aprofundada, oficializada, de todos os modos possíveis. Mas ele não enxerga assim. E aqui talvez ele consia enxergar o quanto essa divisão final me machuca. É como se conseguisse conquistar um império inteiro depois de grandes batalhas, de cercos intermináveis, mobilizando toda uma população que se dividia entre guerreiros e vigilantes que oravam pela vitória mas, depois de vencidos os inimigos, os aliados se recusam a unir-se verdadeiramente, desfazendo então tudo o que fora conquistado. 

E claro que já nem mesmo penso em dizer isso, argumentar, explicar, me abrir. Já não sou levado à sério. Talvez, assim como eu, ele não queira prestar atenção a certas coisas que seriam sérias demais para lidar, e talvez ainda ele já tenha se decidido por nunca lidar com isso, me fazendo apenas aceitar silenciosamente a verdade que ele escolheu seguir.

"[...] O ser humano 
Não tolera muita realidade." 

T.S. Eliott

Acho que, algum dia, a única coisa que eu lhe pergunte seja se ele realmente me convidaria para o seu casamento, mesmo enxergando em minhas nuances que isso seria para mim a pior das dores? E creito que já sei qual seria sua resposta. E é por isso que eu deveria partir antes que ele me respondesse. 

Já não sonho nem mesmo com o outro jovem, aquele de alva ao lado do ancião da ordem de Melquisedeque. Ele nem olha para mim e o olhar desinteressado para tudo mais é ainda mais indiferente em se tratando de mim. 

E, falando em nuances, nom será que ele enxerga todas as nuances nas entrelinhas do que disse aqui? 

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