quinta-feira, 7 de março de 2024

Uma mensagem que foi vencida

Acabei de experienciar um livro com uma mensagem que foi completamente vencida pelo pessimismo, à medida que justamente tentava mostrar alguma esperança, alguma força no sonhar, mas acabou se perdendo numa louca melancolia, sem destino, que evaporou. 

O Livro de Líbero, de Alfredo Nugent Setubal, conta a história desse rapaz com nome engraçado, magricela e fraco que, um dia ao conhecer um estranho num circo mambembe que chegara a pequena cidade onde ele morava, se vê diante de um livro que conta sua vida. Assustado com a possibilidade de não ter controle sobre nada, ele foge. Mas daí em diante ele se torna obcecado pelo livro que se perdeu nas estradas.

Controle. Um tema recorrente a qualquer um que pense um pouco no futuro. 

Lidar com expectativas é sempre um problema, as pessoas imprimem umas nas outras o que elas esperam, mas muitas vezes não conseguem alcançar, de si mesmas. Os filhos são pressionados a seguir os passos ou superar os pais, seja no campo profissional ou pessoal. Os chefes esperam que os funcionários correspondam fielmente a todas as suas expectativas. Amantes e amigos fazem a mesma coisa, todos esperam uma certa cota ideal de fidelidade, carinho, compreensão, companheirismo, etc... Aprender a lidar com essas expectativas e equilibrar o que se quer, o que os outros querem e o que é possível fazer, é uma equação complicada que todos estão, de certo modo, tentando empreender.

Mas diante da perspectiva de uma vida que já está escrita Líbero se apavora. O estranho que lhe entrega o livro, no entanto, lhe acalma mostrando que as páginas futuras mudam de acordo com as decisões que ele toma. Mas aí há outro problema que se revela: o futuro que depende de si mesmo.

Se, por um lado, um destino escrito lhe dá o desespero de não poder escolher a própria vida, seja boa ou ruim, fazendo dos homens meras marionetes num teatro de comédias ou tragédias incontornáveis, por outro, se a vida depende absolutamente de nossas escolhas, o resultado, seja bom ou ruim, faz de nós prisioneiros de uma comédia ou tragédia incontornável que ainda tem o peso de se culpa nossa.

No fundo o autor tentar apresentar o problema, antigo diga-se, entre determinismo e livre arbítrio, mas a sua própria história mostra que estamos presos a ambas as realidades, que há sim elementos determinados e que nós escolhemos e que ainda assim somos prisioneiros. De algum modo estava determinado que Líbero seria sempre um trapo de gente, sempre sofrendo por ver demais ou por não conseguir ver nada, mas ao fazer uso de seu livre arbítrio e não ler seu livro, e depois decidir partir em direção a buscá-lo até perceber que, ao fim, sua jornada fora em vão porque perdera tanto tempo tentando encontrá-lo que as possibilidades que tinha de transformar seu destino se limitaram de tal modo que a tinta se tornou seca, não mudaria mais. 

O final é deprimente, ele embarca numa missão de autoconhecimento, ou descobrimento de si mesmo em que, pegando elementos que ele fotografou de dezenas de pessoas em décadas de vida errante enquanto procurava por seu livro da vida. Ele não viveu, passou sua existência esperando, buscando, procurando por uma perspectiva, mas ignorou tudo que ele poderia ter vivido e, só percebeu isso tarde demais. Num amálgama de Capitão Nemo e Dom Quixote, ele acaba então vivendo a vida desses personagens, ou melhor, aspectos recortados da vida deles. 

Até concordo com o fato de que nossa identidade se contrói nessa compelxa relação com os outros e o meio, em como coisas que estão em nós em potência vão se revelando ou se tornando mais escondidas à medida que as pessoas ao nosso redor vão nos moldando, por imitação ou negação, numa complexa texa de nexos causais. 

O meu ponto é que o autor tenta mostrar que nada disso importa, que nunca é tarde pra sonhar e recomeçar, todas essas coisas, quando na verdade ele apresenta personagens todos destrúidos, presos ao passado, que só conseguem pegar do meio o suficiente para uma subsitência muito abaixo da de uma pessoa normal. Todos estão acabados, e bem o sabem, e apenas continuam por teimosia, mas não chegam a mostrar um sonho de fato, apenas continuam, lutando contra um futuro que já os venceu. Se era para me sentir motivado, não funcionou, mas se era para mostrar que a vida é esse fluxo ininterrupto que, a qualquer momento, pode se mostrar tarde demais para mudar, aí sim eu concordo completamente, que estamos condenados a ficar eternamente trabalhando contra um tempo que já venceu. 

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