terça-feira, 26 de março de 2024

Um fim de semana difícil

Playing Their Song, Joseph Lorusso

"Pequeno estudo sobre o consolo
Dorme-se"

(Ricardo Domeneck)

Sei que disse que está ao meu lado, meu amigo, mas eu ainda me sinto só, não importa para onde eu olhe. Sinto que toda vez que converso estou a falar sozinho, e sei que isso não é culpa sua, e nem minha, pois essa é minha condição, a solidão é minha condição por algum pecado não lembrado, uma fraqueza da minha personalidade, uma falha fundamental. Sei que disse que está ao meu lado, mas eu não vejo ninguém. Você está com seus filhos na sua casinha branca, de varanda, no campo, e eu estou sozinho, no meio da tempestade.

Ela me perguntou qual a origem da minha dor, eu não sei o que responder, eu realmente não sei. Me sinto cansado o tempo todo, mas acho que é mais do que isso. Não importa o quanto durma, não me sinto melhor. Algumas pessoas dizem que preciso mudar a dieta, fazer exercícios, parar de beber, e talvez estejam certas, mas hoje eu nem consegui sair da cama, elas têm alguma ideia do que estão me dizendo? Eu não sei a origem da minha dor, eu sei que estou sempre cansado, que estou sempre sozinho, e que sempre me aparecem mais e mais coisas para resolver, e eu já não consido dar conta nem das mais simples. E tudo me incomoda e machuca. Minha família, pelo desrepeito comigo, a falta de amigos, por ver todos tendo alguém ao seu lado, o trabalho, com as obrigações sem fim. Mas eu achava que era só cansaço, que eu só precisava dormir muito, mas é mais do que isso. É um vazio imenso, é uma vontade de voltar ao nada, é um simples desejo de não ser, não sentir. É mais do que eu consigo dizer.

"Estou fervendo por dentro e por fora. 
Tudo está queimando, minha alma, corpo, fora, dentro, coração, carne... 
Entende?" 

(Albert Camus)

E esse tem sido um dos fins de semana mais difíceis de que me recordo. Muitas vezes senti que apenas meu corpo estava presente, e as pessoas ainda me faziam perguntas e eu precisava dar respostas precisas, e ainda têm coragem de me criticar. Acontece, quando a gente acha que já está morto vem um sujeito e mostra que talvez haja espaço pra uma última pira de ódio antes de se apagar completamente.

Dormi ontem o dia inteiro, e hoje espero que seja igual. Não quero ver nem ouvir nada. Quero apenas me recolher ao casulo da minha insignificância e, se possível fosse, retornar ao nada. Sim, vou encher a cara de remédios hoje de novo, e isso deve estar destruindo meu organismo por dentro, mas quem é que liga? Não sei o que eu farei se não conseguir mais comprar esses remédios, esse maldito governo que em tudo se mete. Só quero dormir o bastante pra não ver nada, nada em casa, dessa família ridícula que insiste nos mesmos erros, insiste em acreditar numa criatura que não tem nenhum futuro. E eu sou obrigado a conviver, eu sempre sou obrigado a conviver, eu sempre sou obrigado, só queria, por uma vez, não ser obrigado a nada.

Só consigo pensar agora em como amanhã precisarei estar de pé e sorrindo. Essa maldita exigência de sorrir. Eu penso na minha morte em cada momento do meu dia e ainda querem que eu sorria. Malditos!

"Pensar tão profundamente cansa.
Bebo mais uma desta 
e vou me deitar."

(Alberto Pimenta)

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