quarta-feira, 13 de março de 2024

Desejo de Aniversário

 "Antes de ti, povoaram a solidão que ocupas,
acostumadas mais que tu às tristezas minhas." 
(Pablo Neruda)

Sabe, não sei se tenho esse direito, mas se pudesse fazer um pedido, ao soprar velinhas, nesse dia tão idiota, tudo que pediria seria uma noite tendo direito a fazer de tudo com você. Me perdoa a baixaria, sei que poderia desejar coisas tão românticas quanto viver uma vida longa ao teu lado, ou coisas desse tipo, mas admito que não sou tão otimista assim. Para alguém que, como eu, já desistiu da vida e possivelmente de céu, ter um vislumbre do paraíso por entre as tuas coxas brancas deve bastar, e o mais que desejo não vale nada. Já não me atrevo a sonhar mais do que isso. 

Sim, não me envergonho de já referenciar o poeta chileno no primeiro parágrafo que escrevi depois de começar a ler seus Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, que me foi presenteado pela caríssima Aline que, além de bons versos também partilha comigo uma certa inquietação existencial que dá largo à boas conversas e risadas. Me encantei de cara com o que disseram do autor ao representar "o espanto do ser humano diante da experiência amorosa" e senti exatamente o que o autor disse sobre a obra "apesar de sua aguda melancolia, esta presente nele o prazer de viver."

E talvez eu tenha descoberto nesse poeta mais do que versos inspiradores, mas uma realidade que eu fingia não ver muitas vezes: é que sua obra é repleta de saudade, de erotismo, de docilidades em expressões que eu tenho até dificuldade em entender e que justo por isso me despertaram interesse. Mas, ao mesmo tempo em que ele entoa esse adágio lamentoso do que amor que se foi ou que nunca virá, os serus versos não são daquele cinza niilista, frios e fechados em si mesmos, ao abrirem-se ao amor, mesmo na triste perspectiva do amor que não virá, ele floresce: como uma rosa branca que abre suas pétalas em delicado cálice a esperar o rocio do amor. 

Minha abertura é de outro modo, e ando controlando os vícios a que me entrego. Mais cedo li, não em Neruda mas em algum post do Instagram que, vivida como fazemos hoje, nosso futuro terá apenas uma galeria de imagens repletas de pessoas com quem não falamos mais. E é verdade, essa péssima mania que o Google e o facebook têm de mostrar as lembranças dos anos passados mostram que aquelas pessoas se tornaram estranhas. Que declarações de amor se foram (mas voltarei a isso mais tarde), que os sorrisos esmaeceram ante a rotina e que amizades sinceras se transformaram em punhaladas por trás. 

Creio, num parêntese, que o amor sincero possa ser coberto por uma grossa camada de poeira, mas que ele permanece lá. Permanece lá o que sentia por um e por outro, transmutado, ressignificado, mais ainda amor. 

Eu continuo aberto ao amor, embora não vá mais atrás dele por não ter forças humanas suficientes. Estou esgotado, já o disse e o repeti tantas e tantas vezes. E então me deito, numa fresca noite de meia estação, o perfume combinado de Melaleuca, Cânfora Branca e Ylang Ylang impregnando no ambiente numa luz violeta indireta e confortável. Observando o teto eu me imagino como uma rosa branca, de pétalas delicadas abertas a esperar o néctar, pela última vez contemplando a paisagem dos montes formados por suas coxas brancas, num suspiro antes de cair em sono pouco antes do amanhecer.

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