quarta-feira, 24 de abril de 2024

Sobre a Liberdade de Expressão

Eu vou tentar ser breve nessa argumentação por duas razões: a análise aprofundada de um conceito como liberdade seria demasiado complexa e é caberia só a um cientista político bem mais experiente, e por que acho que a presente situação não carece de maiores exemplos, sendo que, em si, já demonstra porque é insustentável. 

Em primeiro lugar, o Prof. Olavo de Carvalho explique que "a liberdade, embora clara e nítida enquanto vivência subjetiva, não se deixa traduzir facilmente num conceito classificatório que se possa aplicar à variedade das situações de fato. A noção e a própria experiência da liberdade são de natureza essencialmente escalar e relativa" isso significa que a liberdade é mais ou menos a margem de manobra que temos dentro de algo maior e mais palpável, que é a ordem, aqui entendida também num sentido escalar desde, por exemplo, a ordem que você tem dentro de casa ao obedecer sua mãe ou na escola ao obedecer um professor até então a ordem de um estado. 

Essa margem de manobra é maior ou menor a depender de cada realidade particular. Alunos do colégio precisam pedir para sair de sala, enquanto na universidade podem entrar e sair ou simplesmente escolher não assistir essa ou aquela aula para estudar para uma prova ou beber com os amigos. Em ambos os casos, e incluindo aqui então a liberdade de expressão, o sujeito encara a consequência do que faz, e diz, justamente porque o faz ou diz. 

O seu exemplo ao citar Sócrates é elementar: embora Sócrates tenha sido condenado pelo que disseram que ele disse e não pelo que ele de fato tenha dito, o que ele disse permaneceu justamente porque ele o pôde dizer, até o momento em que, morto, nada mais disse nem lhe foi perguntado. Mas, apesar de sua morta, cá estamos nós, dois mil e quinhentos anos depois, falando dele, justamente porque ele disse. 

No clássico 1984 de George Orwell vemos a importância que o controle das palavras pode ter para um povo: poder dizer o que se pensa é pensar, pois pensar é, antes de tudo, dizer para si antes de dizer ao outro. Se controlo primeiro o que se pode ser dito, logo controlo também o que pode ser pensado. Ao excluir ou colocar em circulação certas palavras, ou conceitos é possível controlar o que se pensa a respeito do assunto, inclusive escondendo completamente o objeto atrás de discussões de ordem elevada e de aparência intelectual. 

Basicamente você pode imaginar um grupo de jovens que nunca trabalharam um dia sequer e que se reúnem num prédio caro, indo até lá cada um no seu carro ganhado de presente, para discutir a desigualdade social em termos como luta de classe e tantos outros consolidados na universidade quando, atrás desse mesmo prédio, um morador de rua dorme ao relento e é ignorado pelos mesmos intelectuais que, ao sair de sua reunião, vão se reunir novamente num barzinho para continuar suas conversações de modo menos sério. O objeto do qual estão falando, o pobre moribundo que passa frio e fome ali abaixo, está escondido atrás desses conceitos. 

Isso nos mostra a complexa relação entre palavra e pensamento, outro assunto complexo, mas que, em resumidas linhas, trata da tradução da realidade percebida em palavras que, por sua vez, também são uma realidade a ser percebida e, portanto, modificada. 

Esse longo excurso serve para mostrar que quem controla o que se pode ser dito controla também o que os outros pensam, ou seja, ao dizer que um órgão pode definir o que pode ou não ser dito não significa que ele vai, como alega, defender a liberdade de dizer apenas o que é correto, mas que ele é quem vai decidir o que é correto e, logo, ditar o que todos acham por correto. 

Num país como o nosso onde a grande mídia é controlada por uma meia dúzia de pessoas que ninguém sabe quem são, a internet se tornou então a terra de ninguém onde esses não podem controlar o que é dito e pensado. Isso porque numa lógica onde apenas o que vai gerar lucro ao dono da mídia é dito e propagado, as milhares de outras realidades só ganham espaço onde dificilmente renderão algum dinheiro. Não sem pagar o preço, como Sócrates, de que o calem em algum momento, mas se puder ser dito, a palavra fomentará o pensamento e, novamente como o sábio de Atenas, permanecerá. 

Quando um sujeito então diz que irá regular todos os lugares por onde as pessoas dizem algo, ele, no fundo, está se arrogando o título de juri, juiz e executor, não da verdade que diz defender, mas da verdade que lhe será mais conveniente. Ele não controlará o que pode ser dito, deseja controlar até o que pode ser pensado. Se aceitamos o início do cerceamento do que podemos dizer, ainda que sejam as maiores atrocidades e absurdidades, não teremos sequer vontade de reagir quando já não pudermos nem mesmo pensar algo que não esteja nos termos de autorização devidamente preparados. Como o protagonista do livro de Orwell, seja por meio da violência física ou psicológica, ou de ambas, o corpo e a mente enfraquecidos pelo ambiente ao redor já não poderão conceber nada diferente do poder absoluto daqueles que ditam o que pensamos.

"Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."

(Eduardo Alves da Costa)

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