terça-feira, 16 de abril de 2024

Eu, visões de uma cidade e silêncio

Self-portrait, Hirooki Hatori

De algum modo experimento sim aquela satisfação depois de uma missão difícil. Ver que as exposições estavam prontas dentro do prazo, com o mínimo de problemas, me mostraram que algo no meio de todo aquel esforço deu certo. Passar o dia ao lado de uma amiga querida tornou até mesmo o cansaço mais leve, e eu pude então não pensar muito naquilo que vinha evitando nos últimos dias. 

Consegui, por exemplo, me deixar levar pelo tempo que passei ao lado daquele mocinho que, pela primeira vez, falou comigo, sorriu pra mim de leve e compartilhou alguns pensamentos interessantes, que me fizeram crer que eu poderia sim, viver de algum modo aqui, quem sabe recomeçar de algum modo o meu coração. 

E nesses dias, mesmo quando eu já não podia mais lidar com nenhuma informação à mais, eu ainda me enfiava completamente no que precisava ser feito, me dedicando por completo, ao trabalho e a pastoral, tudo isso para ignorar um fato que se consumou quando li palavras simples, mas que confirmaram que, no meio disso tudo, meus sentimentos são apenas incômodos. 

Passei o dia então me esforçando pra falar inglês, sabendo que falhei miseravelmente algumas vezes mas que me fiz entender e fiz os outros serem entendidos, e isso basta, eu acho. 

Mas eu não quero agora ter que lidar com as pessoas mesquinhas da paróquia, que provavelmente gastaram longo minutos nessa tarde discutindo uma mensagem que eu não enviei e que causou um rebuliço enorme, mas que não conseguem entender o mínimo sobre o que realmente importa. 

E quando vinha embora, de pé no ônibus ou caminhando enquanto uma chuva pesada fustigava as minhas pernas, eu consegui compor linhas belíssimas sobre tudo isso que me aconteceu nos últimos dias, mas agora tudo o que consegui escrever foram essas breves palavras, secas e sem nenhuma poesia. 

Me recordo vagamente de estar muito consciente de mim mesmo ao passar a mão no cabelo olhando meu reflexo na janela, ao observar dois rapazes que provavelmente trocavam olhares cheios de significado num ônibus cheio de gente que só queria ir pra casa depois de um longo dia de trabalho, enquanto a maior parte da cidade pôde dormir ouvindo a chuva que caiu insistentemente o dia todo. 

Pude ficar perto dele, por vários minutos, e isso foi incrivel, ainda que sua personalidade me seja um mistério quase completo. Não pude transpor o muro que havia entre nós por conta da falta de contato, ele nem mesmo sabia que eu era o mesmo cara que sentara na mesma mesa que ele para comer um pedaço gorduroso de pizza numa noite do Festival de Dança de Joinville do ano passado e que, desde aquele dia, ele se tornou uma espécie de sonho meu, ao lado de outras figuras que, sendo reais, passaram a habitar meu pequeno universo onírico, repleto de moços bonitos e carinhosos. 

Pelo menos isso me deu um pouco de distanciamento daquela dor que, embora não tenha passado, cedeu brevemente. Obrigado, ó jovem que não se recordará de mim amanhã e que habita meus sonhos doces, obrigado amiga que me acompanhou em uma taça de vinho. 

Agora que o clarão da luz se apaga e todos dormem cansados, eu preciso então me isolar, não no mundo que vim evitando, mas no meu mundo, naquele onde os personagens encontram o amor nas mais diversas situações, e é nesse mundo, como Madame Bovary sonhava com os romances enquanto vivia no convento, eu vou sonhar com o amor impossível, ao lado de uma taça de vinho rosé e chocolate, deixando meu corpo, coração e mente entrarem lentamente numa atmosfera diferente, onde a dor não existe sem uma solução no próximo episódio e o onde o amor não é apenas mais um problema e amanhã, quando os mais animados talvez possam se unir para um churrasco ou sei lá o que mais o pessoal dessa cidade faz para se divertir, eu vou dormir, profundamente, sob efeito pesado de remédios proibidos. 

E do silêncio dele.

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