domingo, 21 de abril de 2024

Um Símbolo

Foto: Duong-Quan

"É horrível que a beleza seja uma coisa não só terrível, mas também misteriosa. Aí lutam o diabo e Deus, e o campo de batalha é o coração dos homens." (Fiódor Dostoiévski)

Imagens de sombra e luz que ecoam pelo meu ser. Tenho graves questões quanto a meu Eu, minha revolta contra a existência é quase permanente mas, ao mesmo tempo, quando me deparo com coisas como essa, sinto como se algo dentro de mim fizesse sentido. 

Já há tempos sigo um casal vietnamita nas redes sociais, e eles sempre compartilham imagens bem íntimas de sua rotina. Quando digo intimas me refiro a registros feitos durante o sexo, ou imediatamente após, todos com uma estética própria e que eles exploram, de modo a combinar o romance com a sensualidade, algumas vezes explícita. 

Quem vê de fora, pode até estranhar e achar apenas imoral. Outros podem pensar que eu apenas me sinto atraído pelo conteúdo porque me sinto afetado pelo fato de serem um casal, o que poderia ser uma demonstração de afetação pelo desejo de ter, viver, algo do tipo. Não excluo essa hipótese, mas acho que ela não explica totalmente o que se passa. 

Acontece que as imagens de sombra e luz daqueles dois me dizem muito mais do que apenas sugerem. Elas apontam pra uma realidade que não está ali, mas ao mesmo tempo estampam uma proximidade, uma intimidade, que me é sim desejada. 

Ver o sol entrando pela janela e tocando os corpos daquele jeito, como as carícias que certamente trocaram na última noite. Os beijos apaixondos, os toques repletos desse desejo, os olhares luxuriosos, algumas partes dos corpos que deixam transparecer que, por trás daquele leve pedaço de tecido há um corpo ardente. 

Essas imagens poderia muito bem ser apenas uma visão que eles não compartilham com ninguém, mas concordo com quem deles teve a ideia de partilhar pois, sendo algo tão lindo quanto aqueles corpos apaixonados, nós de fora também merecemos poder ver algo assim. 

Há beleza no corpo, há beleza na união carnal, há beleza no amor ali apontado. Há uma beleza que vejo e admiro, que me faz ter aquela resolução que tive ao contemplar o torso arcaico de Apolo. As imagens de sombra e luz daqueles dois me fazem ter uma pausa, me obrigar a sair do meio da turba barulhenta e a contemplar, em silêncio, a intimidade compartilhada, a imaginar a delicadeza dos toques, das carícias, dos momentos que eles vivem juntos e, quem sabe, também permitir sonhar um pouco que seja. 

Claro que isso me coloca também em perspectiva de outras reflexões, já que falar do belo que essa experiência me traz se mostrou tão limitado. 

Uma vez mais me vem pensamentos acerca da sexualidade, ou melhor, das expressões de afeto e carinho que temos um com o outro. Me recordo, por exemplo, de amigos que os outros pensavam ser meus namorados, dada nossa proximidade, tantas vezes confundidos como casais. Daí me vem que essas demonstrações não são e nem podem ser limitadas numa simples planilha e ou lista de comportamentos mais ou menos adequados, pois que a experiência real transcende e abarca os comportamentos tendo como ponto de partida não apenas o exterior do contato em si, mas num diálogo complexo entre os sentimentos e a forma que esses assumem externamente. 

Claro que entramos ainda na alçada do subjetivo, e o que tem significado profundo para um pode ser banal para outros... Não preciso nem citar uma situação mais do que atual onde um relacionamento tem quase todas as características de um namoro mas, de fato, não o é, sendo motivo de controvérsia não apenas para aqueles que veem de fora mas até mesmo para mim. 

Então, o que fica é apenas a percepção que alguns podem ter, do mero formalismo sensual e até pornográfico em alguns, mesmo com a apelação artística pra esse tipo de conteúdo, de outro fica um apontamento, um simbolo, no sentido de ser uma realidade que aponta para realidades distintas, mais elevadas ou não (o que é indiferente aqui). mas que significam uma realidade que me é cara, talvez justamente por me ser tão distante.

Cada linha que escrevo contém tudo de mim, e ninguém nunca entende nada. 

"Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura." (Julio Cortázar)

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