quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Desconexo

Michel Onfray

Em "Um Psicólogo no Campo de Concentração", Viktor Frankl versa acerca do sentido da vida e, determinado ponto me chamou a atenção, quando ele diz: "Quanto à origem do sentimento de falta de sentido, pode-se dizer, ainda que de maneira muito simplificadora, que as pessoas têm o suficiente com o que viver, mas não têm nada por que viver; tem os meios, mas não têm o sentido. Sem dúvida, alguns não têm nem mesmo os meios." 

Eu até queria poder falar mais sobre isso, queria poder fazer aqui uma contribuição filosófica, ainda que modesta. Mas não. Não é possível. Eu olho a minha frente e vejo as folhas verdes padecerem ao calor úmido dessa época do ano. Olho nas redes sociais a colega de trabalho saindo com aquela garota idiota. Olho ao meu redor e vejo coisas que precisam de mudança, mas mudanças que custariam dinheiro e esse é um problema que não é meu. Penso que vou voltar pra casa com toda essa umidade, e então percebo que vou ficar cansado demais pra conseguir estudar e ainda assistir alguma coisa com algum proveito, e então sei que vou fazer os dois, e não vou nem aprender direito e nem prestar atenção na série.

Mas, aparentemente, tudo bem o ser humano viver assim, completamente ausente de sentido, contanto que consiga realizar algumas funções. É assim que somos classificados. Um homem será tão valioso, para essa sociedade doente, quanto possa ser útil, sem que para isso precise ter a mínima noção de sentido. 

Quando dizem que o trabalho dignifica o homem, isso só é verdade quando ele sabe disso, quando ele produz algo verdadeiramente útil, quando ele pode com isso prover seu sustento e de sua família. Mas, quando ele é apenas medido pela sua capacidade de repetir funções, de ser útil aos interesses do outro como quem usa uma ferramenta que, uma vez perdendo sua utilidade é descartada, não pode haver dignidade nenhuma nisso. 

Como pode ser digno ser uma criatura que só repete, repete e repete, e não pode sentir? Como pode ser digno se, nos dias que nem consigo me mover, ainda assim preciso sair da cama e dar respostas e preencher documentos e enviar imagens e ser funcional quando cada fibra do meu ser clama pela não existência? 

Simplesmente existir é incômodo demais.

Acho que, no momento em que decidi romper os laços de amor que restavam, eu acabei também com o que me restava de sentido, ou, ao menos, com aquilo a que me dedicava. Agora não consigo mais sentir nenhuma conexão. Mais do que nunca sinto que estamos distantes, tão distantes que não conseguimos sequer olhar um para o outro.

Distantes.

E isso porque o laço que nos ligava se rompeu. Mas ele também era a centelha que havia sobrado em mim. 

Sem amor não há mais nada. 

Tento pensar em outra possibilidade, mas meu pensamento trava na segunda página. Não quero mais amar ninguém, não vale a dor que causa, nem mesmo quando essa dor possa provar que eu estou vivo, coisa da qual duvido muito no momento. Acredito que é melhor ser uma casca morta, do que sentir dor o tempo todo por um amor impossível. 

E amor verdadeiro não existe.

Esperei pelo ônibus sentado, o calor e a umidade me dando a certeza que estaria suado, e molhado da chuva, antes das oito horas. Aquele menino não apareceu nos últimos dois dias, não que faça alguma diferença. Hoje vai ser um cão dos infernos. E ainda faltam três dias pro fim de semana.

Percebi, de novo, que não só não participei do grande evento de anúncios de 2025 como queria, como não consegui nem comentar como nos outros anos.

A desconexão é real. E não me desconectei apenas dele ou dos outros. 

Me desconectei de tudo. 

E de mim.

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