o vinho
a morte
a poesia."
(Edimilson de Almeida Pereira)
Estamos todos ocupados, cansados, irritados. É uma condição comum. Parece que a humanidade, e digo isso consciente de que humanidade aqui significa eu e alguns que percebem isso, sem a menor pretensão de ter consultado de fato a humanidade inteira. Antes disso, ao que me consta o olhar superficial, a maior parte das pessoas, isto é, a humanidade quase toda, não só não não percebe como vive como se isso fosse normal.
Mas não é normal, não pode ser normal, essa correria sempre. Esse volume de loucura despejado sobre nossos ombros. E aqui percebo que é melhor abandonar esse plural majestático, que de modéstia nada tem, e falar em nome daquele único que realmente posso falar: eu mesmo. Não é normal que todas as pessoas despejem sobre mim esse volume de expectativa.
Mas também estou cansado de reclamar disso. Preciso de reclamações novas. Percebe a metalinguagem da reclamação sobre a reclamação?
Talvez eu devesse reclamar que hoje eu queria continuar na cama, na verdade, era uma necessidade, pura e simples, simpliciter, de descansar meu corpo da loucura que eu sei que vai vir nos próximos dias. E de saber que eu preciso aguentar. Acordei uma hora depois do normal e, ao ver uma mensagem avisando que já teria um desfalque na empresa, acabei tendo que aguentar e vir assim mesmo, com dores no corpo e a mente atordoada por mais uma ciclagem, dessa vez para baixo.
E eu sei que querem, esperam isso como se fosse o mínimo, que eu aguente. Eu sempre preciso aguentar. As demandas extras, os caprichos, os atendimentos de pessoas idiotas com sorriso falso, as horas depois do horário. Eu preciso aguentar. E entregar com tempo.
Só tem um porém:
eu já não aguento mais.
Tudo, apenas e tão somente o que eu precisava hoje era poder dormir um pouco mais, sem o grande fluxo de informações a que sou submetido diariamente.
Precisava dormir pra não pensar nas dívidas absurdas que eu fiz esse mês, sendo completamente irresponsável. Precisava dormir pra não lembrar que vou precisar de um celular novo e que não tenho como comprar um agora. Precisava dormir pra não passar sóbrio pela ciclagem e, quem sabe, superar essa fase mais rápido. Por isso tudo, apenas e tão somente o que eu mais precisava hoje, absolutamente tudo que eu precisava, era apenas dormir.
Mas, como já o disse tantas vezes, até o sonho mais bobo me foi tirado de mim. Todos podem adoecer, descansar, se cansar. Eu preciso aguentar.
Só tem um porém:
eu não aguento mais.
“Se pudesse desejar algo para mim, não desejaria riqueza nem poder, mas a paixão da possibilidade; desejaria apenas um olho que, eternamente jovem, ardesse de desejo de ver a possibilidade.” (Kierkegaard)
Dado momento eu perdi todo e qualquer desejo pela possibilidade. Tornei-me apático. Olhos sem brilho algum. É como se, aos vinte, tivesse eu a esperança de um velho. É como se eu não tivesse mais nenhum dia pela frente.
E acho que eu realmente não queria ter.
Já se tornou normal que eu deseje o fim, voltar ao nada mesmo sabendo que, aquilo que entrou no ser por um instante infinitesimal que seja, não pode voltar ao nada. Mas eu desejo, voltar a inconsciência. Não sentir, não perceber. Por isso meu apego ao silêncio, em ficar sozinho, em dormir profundamente.
Algo disso vem ao observar todos os aspectos da minha vida e me ver desanimado com todos eles. Vinha no ônibus passando na frente de alguns cafés, de algumas lojas, e tentando me lembrar quando foi a última vez que saí, quando foi a última vez que me permiti divertir, com ou sem alguém. Mas nunca sobra grana. Eu tô sempre trabalhando pra conseguir dinheiro e tô sempre sem dinheiro. Isso porque eu sou um boçal que se empolga e gasta tudo no primeiro dia, com coisas inúteis.
Mas é sempre esse ciclo infernal: na depressão não tenho vontade de fazer nada, às vezes gasto buscando algum sentido ou algum prazer, ainda que mínimo. E, quando eufórico, acabo gastando por inconsequência. De todo modo é ruim.
Então minha vida se resumiu a isso, trabalhar, gastar, e nunca viver. Na verdade, não venho tentando nem sequer sobreviver. O que eu tenho é uma forma de subsistência, muito abaixo da vida humana, é bestial, animalesco. É por isso que, antes de desejar a possibilidade, eu desejo apenas o nada, o fim, o silêncio.
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