"As causas de sua amargura, remotas e próximas, eram muitas. Tinha raiva de si mesmo por ser jovem e estar à mercê de insaciáveis e tolos impulsos, com raiva também da reviravolta do destino que transfigurava o mundo à sua volta num panorama de miséria e falsidade." (James Joyce)
Venho lutando nesse processo, lento e doloroso, de uma profunda transmutação alquímica na minha alma. Primeiramente venho buscando entender as origens da minha carência, da minha necessidade do outro, do medo constante de ser abandonado.
E como essa carência, que se revela num confronto brutal com a realidade, em que sucessivas pessoas, amigos e amantes, me deixam sem olhar para atrás, resultaram numa personalidade instável, constantemente buscando compensar esse lócus com o mínimo de afeto que me é oferecido. Então me apego rápido, me afeiçoo, e as amizades acabam se misturando com esses sentimentos confusos, e então eu espero ser correspondido, num sentimento que, chegando a ser obsessivo e doentio, me torna insuportável até para mim mesmo.
Quantas vezes isso aconteceu? E tenho certeza que todas às vezes o sentimento era real, mas era amor? Sei que eu o amo, mas o que é amor e o que é dependência emocional?
Há algo aqui que vem da ausência da figura paterna, que eu constantemente tento substituir ainda que não pense nisso conscientemente? Ou medo de encarar a realidade, brutal e inclemente, por ser superprotegido a vida toda e não conseguir agora viver só? Donde vem essa insegurança fundamental que se apresenta como vazio que se expande mais e mais, e que me torna dependente de todos quantos se aproximam de mim?
Essas perguntas têm guiado a minha desconstrução. Eu venho mentalizado isso durante todo o dia, o que requer silêncio e concentração. A compreensão e subsequente desconstrução são as primeiras fases dessa minha transformação.
Aos poucos vou entendendo que o meu amor por ele e a dependência são coisas diferentes, que mais uma vez coloquei uma pessoa num pedestal quase divino e devotei a ele a minha existência inteira, e ele a negou. Por isso é preciso agora retomar as coisas e as colocar em seu devido lugar. Aliás, lugar esse que não deveria ser ocupado por ninguém.
Não posso pular etapas e nem me precipitar. É preciso entender com clareza que eu tenho si uma carência muito grande, e que fui sim superprotegido, e que agora, em contato com a realidade, o medo se perfez em necessidade do outro. Por isso constantemente busco mãos para segurar ou abraços para me consolar. Uma vez internalizado isso talvez eu possa entender e desenvolver um sentimento que não seja baseado tão somente nessa dependência do outro.
Preciso caminhar sozinho, provar sozinho que posso viver sem necessitar da constante aceitação de um meio ou grupo. Não preciso me envolver com os jovens da igreja que se deixam levar pela cegueira tosca das novas comunidades, tampouco fazer amizades baseadas na busca constante pelas coisas mais supérfluas. Preciso tomar as rédeas desses impulsos, e assim não permitir que novamente volte a me apegar assim, e a me machucar assim, e a me quebrar assim, como me quebrei das outras vezes. Preciso conseguir, de uma vez por todas, a caminhar com esse vazio fundamental que há em mim, e que parece me assustar desde que me lembro, desde meu primeiro pensamento.
E preciso lidar ainda com os sentimentos conflitantes que vão surgindo daí, como a revolta de nunca ter uma resposta, como se meu silêncio fosse errado quando o silêncio foi tudo que tive, sempre. E esse silêncio tem sido a causa da minha tristeza, tristeza profunda.
Em nome da paz, da busca de certa tranquilidade, eu deveria encarar uma situação difícil e desconfortável ou simplesmente fingir demência, como se não fosse comigo? Até que ponto posso fazer isso? É desconfortável, humilhante, me incomoda. Mas eu deveria me submeter a isso, por estar com medo do embate, de precisar enfrentar o outro?
Talvez seja esse outro aspecto observável da minha personalidade: eu estou sempre em busca de alguém que me dê segurança, e fugindo dos embates, fugindo sempre. Sempre covarde.
Preciso conseguir enfrentar as situações, me impor, colocar limites. Não ser sempre maleável aos outros. Mas é tão difícil, parece sempre que eu sou manipulado e manipulável pelo outro. Eu sei que, de modo geral, o controle que temos sobre a vida é bastante limitado, mas por que, dentre todas as pessoas, eu sempre pareço perder para o outro, ou ser manipulado, ou literalmente controlado? Por que sempre pareço tão fraco?
"Pela primeira vez na vida eu tive a coragem de olhar pra uma situação e entender que era pouco, muito pouco. E além de pouco, era um desrespeito comigo escolher isso. Saí fora quando entendi que aceitar qualquer coisa em nome do amor não é pra mim, nunca foi."
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