- Eu estou bem.
- Eu sinto muito!
- Eu estou bem.
- Eu sinto...
O ponto pacífico é: o homem sempre tem, e provavelmente sempre terá dificuldade em se expressar, em dizer o que sente, em comunicar os afetos de sua alma, mas também de compreender os mesmos afetos da alma do outro.
Quantas comunicações são completamente incompreensíveis a quem quer que seja? Tomo pelos choros do meu sobrinho, que aposto nem sequer entende o que sente, mas de que, de algum modo, comunica, mostrando o desesperar-se no trauma de emergência da razão. Tomo pelas incontáveis expressões artísticas que tentam traduzir, expressar isso que trazemos no profundo do ser. A densidade das sinfonias de Mahler, toda a loucura da música contemporânea expressando a bestialidade em que o homem se meteu, as infindáveis páginas, de Homero a Proust, Augusto dos Anjos e os novos poetas da internet, uma lista sem fim, de pessoas tentando dizer algo para outras, ou, antes disso, tentando entender o sentem ao ponto de conseguirem dizer a si mesmas.
E então, a totalidade dos homens, esses que me rodeiam, e que não conseguem dizer, e não conseguem me ouvir ou entender, e por isso sofremos. Sofremos porque somos, sempre e sem chance de não ser, ouriços na vida uns dos outros. Por aqueles sentimentos que habitam nosso tão profundo que quase nem nós mesmos conseguimos dizer que existe, e aquilo que não dizemos porque de fato não o é, e toda sorte de confusões que daí se originam.
Continuo então sem entender, muitas vezes desistindo. Porque percebo que o outro não tem interesse no que digo, que sua mente parece tão distante que não seria exagero dizer que nós estamos em universos diferentes, caindo no clichê tosco, porém verdadeiro, de que cada um é um universo por si. Mas, então, sendo assim, onde podemos encontrar na comunicação aquele princípio estabilizador, universal, que nos permite definir cada um como um universo e não como apenas parte de outro universo. Onde está aquela estabilidade na linguagem que permite a duas pessoas se entenderem? Dito isso, é possível que duas pessoas se entendam? Porque parece que, ao falarmos das coisas profundas do coração, não fazemos mais do que meu sobrinho, em balbucios que, nem sequer compreendemos e tampouco conseguimos transmitir a outros.
Daí, apelamos: escrevemos músicas, poesias, tiramos fotos e pintamos telas e, quando nada disso funciona, tentamos olhar no fundo dos olhos da outra pessoa e dizer "eu sinto muito", repetindo cada vez com mais verdade e mais vontade, podendo até alcançar o seu coração. Ou também podendo continuar distantes, incompreendidos e incompreensíveis. Essa parece ser nossa sina. Nossos amores jamais chegarão a saber que amamos e nem o quanto amamos. Nossos inimigos nunca vão entender a dor que nos causaram, e nossos amigos nunca vão entender o bem que nos fizeram. E por fim, morremos assim, sem nunca tocar o outro.
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