segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Aforismos

Arnold Böcklin

"Se a voz da noite responder
Onde estou eu, 
onde está você
Estamos cá dentro de nós 
sós"

(Chico César)

Sempre vemos o quadro parcialmente. Ao olharmos o outro não vemos senão uma fração que ele permite que vejamos, ou que ele consegue demonstrar. De um modo ou outro nossa visão da realidade é limitada.

Com isso não quero dizer que estamos todos num grande engodo kantiano, numa espécie de matrix, não, apenas estou repetindo o óbvio: o homem é limitado por sua própria natureza, nossa inteligência sendo então diferente da dos anjos, que a tudo conhecem num relance. Somos parciais, embora sejamos parte do todo (todo que "neles vivemos, nos movemos e somos" como disse S. Paulo). 

O outro também pode estar passando um inferno. Assim como eu também. E me sinto culpado por não ver o inferno em que está o outro. O outro também não se aproxima do inferno que há em mim. Somos todos condenados iguais? 

Toda existência é solitária assim, dolorida assim, triste assim. A imensidão desses espaços infinitos de Pascal, o pavor, tremendo horror. Mas o que resta senão a pergunta: há salvação? 

X

Você lembra de detalhes de mais de dois anos atrás. Saber disso faz algo se remexer em mim, mas não sei dizer o que é. Antes diria que era amor, mas sufoquei esse sentimento. Finalmente acredito ter extinguido isso de mim. Com isso foi-se o que restava para não ser uma casca vazia. O vazio ficou. Não há mais amor em mim. Mas, se o amor era aquilo que ainda fazia brilhar uma centelha em mim, que pode ser de mim agora? Nada. 

E lembro de quando eu cantava, imitando S. Terezinha, para que Deus fizesse "de meu nada, amor. Só. amor."

Agora ainda sinto as dores daqueles dias tensos. Não vou sair da cama. Quero que sintam minha falta e, assim, vejam que não podem deixar tudo em cima de mim. Mas, seja em plena loucura e correria, ou durante uma manhã de chuva fina como hoje, olho pra cima por um breve instante, elevo os olhos a Vós ó Pai, e depois retorno a mim, sentindo apenas esse meu enorme vazio.

X

Eles nunca vão mudar, sempre viverão nessa loucura, nessa pressa, numa incessante busca, perdendo de vista o que está bem a sua frente. Essa pressa é louca. São todos loucos. Estamos todos loucos. Perdemos de vista a quem devemos agradar, queremos ser aceitos pelos mais banais de nós, pelos mais idiotas, queremos a aprovação dos mais tolos, daqueles que não seriam aceitos por ninguém que tivesse algum bom senso. 

Tiraram uma foto minha enquanto sorria, e sorria de verdade. Sorrio quando estou confortável e com pessoas que amo. E então, pessoas que não são próximas e que não entendem nada de mim porque nunca me olharam de verdade, disseram que aquela foto, do meu sorriso, capturava minha essência, como se houvesse de lindo e brilhante dentro de mim e que apenas umas poucas vezes vem até a superfície.

E é claro que ninguém vê quem fica até o final, quem varre o chão e apaga as luzes depois que acaba a festa. Todos se lembram do bobo que dançou depois da segunda garrafa, ou do anfitrião que propôs o brinde. 

Não, a minha essência não é sorridente. Eu sorrio, mas tenho uma alma triste, profundamente triste. Meu coração cinza jaz numa escuridão profunda.  

Principalmente agora, passada a euforia, a música alta, e todos os desencontros, de toda aquela subserviência patética. Sobrou apenas o vazio, o nada. 

"Acaso busco eu agora a aprovação dos homens ou a de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se eu ainda procurasse agradar a homens, não seria servo de Cristo" (Gl1, 10)

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