segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Aforismos sobre amor e separação


"Eu nasci para estar morto,
e estar morto significa estar resignadamente só.
Ao menos, se minha carne fosse boa aos vermes,
talvez eles houvessem de me fazer companhia,
mas não, minha alma era podre,
e nada além dela nunca houve de ser minimamente real.
Cresci com a solene rejeição de quem fui,
ainda que o que fosse não passasse de uma completa abstração."

(pevon)

Tem um canto do tempo quaresmal que diz "reconciliai-vos com Deus, em nome de Cristo rogamos que não recebais em vão sua graça, seu perdão." Como certa vez o Prof. Olavo de Carvalho muito bem explicou o que é o perdão, na ordem física do cosmos e na ordem da alma humana, e como os doutores da Igreja vem ensinando durante milênios, o perdão é, sem exagero, a força que permite ao universo, caído desde o pecado original, continuar existindo, continuar sendo mantido na ordem do ser. 

O perdão também nos reaproxima dos outros, mas, diferente de Deus, nós não somos perfeitos em perdoar. O nosso perdão nem sempre mantém o estado de antes da ofensa, senão que perdoamos imperfeitamente. O nosso perdão é falho, sempre permanece uma marca, mancha, cicatriz. Algumas coisas, quando se quebram, não podem ser reparadas, por mais que tentemos.

A separação é sempre uma dor. Eu, de minha parte, também odeio a separação, o afastamento. Odeio essa verdade de quando os caminhos se separam, mesmo sabendo que muitas vezes isso faz parte da verdade mesma da vida, e que as coisas são assim: as pessoas seguem. De minha parte já espero, com dor, que as pessoas me deixem, mais cedo ou mais tarde, e fico como que apático, assistindo, impassível, sem que nada possa fazer contra isso. 

Elas se vão. 

E mesmo as que estão aqui, eu estou distante de cada uma delas. Eu vejo o mundo girar, as pessoas passarem. Vejo como elas se preocupam umas com as outras, mas como não faço parte disso. Parece um sinal fronteiriço. Não me surpreenderia que fosse essa a causa de uma vida tão instável. 

"De cada amor tu herdarás só o cinismo" 

É Cartola, parece que aprendi com esse adágio. Hoje me tornei esse homem cínico, rejeitando tudo que pareça ou se diga ser amor, justamente por não crer e não aguentar, e não esperar mais nada disso. 

Não há amor, ou, se o há, não há para mim. 

Em tempo, sei que preciso tomar cuidado, de novo, para não fazer desse momento de ressignificação de sentimentos uma brecha para que eu simplesmente acabe mudando de "alvo", por assim dizer. Cada vez que sinto meu coração tender aquele lado, aquela simpatia e proximidade que podem se tornar danosas, eu preciso dar um passo atrás, preciso levantar um muro. O ideal seria conseguir bloquear totalmente qualquer possibilidade de sentimento. O ideal seria amadurecer o bastante para não precisar da validação do outro, do carinho do outro. O ideal seria herdar esse cinismo profundo, tão real que me impedisse completa e totalmente de acreditar no que quer fosse do homem, além de sua capacidade para decepcionar e destruir. 

É fim da tarde de sábado, e sempre sou tomado de algo animoso por conta dos dois dias de folga. Mas será que terei disposição para fazer algo? Quando permiti que o desencanto no amor se revertesse em desencanto em mim mesmo? Ou foi por não acreditar em mim que deixei de crer no amor?

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.

(Cecília Meireles)

Nenhum comentário:

Postar um comentário