Domingo, de novo. O pior, o mais desgraçado dia da semana, como dizia o velho Buck. Mas hoje é um dia bonito.
A chuva cai fina desde a madrugada, sopra uma brisa fresca, agradável. Ainda assim, eu não quero ficar acordado. Percebi também que não quero conversar muito. Desperta alguns sentimentos que estou tentando evitar. Vou só escutar uma música, e dormir. É, é melhor assim. Se tudo dói, se tudo é ocasião de queda, se toda diferença é como um espinho na pele fina, é melhor não sentir nada.
Domingo de novo. Vou dormir de novo.
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Meu pai gosta de apostar na loteria. Hoje ele me viu acordado por uns minutos e entrou no meu quarto pra mostrar os números que ele acertou no último sorteio. Admito que eu não estava desperto o bastante pra entender bem o que ele disse, mas não importa, ele não ganhou nada. E todos os meses ele faz isso, e às vezes ainda organiza um bolão na família. Nunca ganhamos nada. Mas, de algum modo ele ainda tem esperança.
Minha mãe também é uma mulher de muita esperança. Eu já estou chegando aos trinta anos e ela já vivia com meu pai há mais de dez anos antes que eu nascesse. Eles nunca tiveram uma casa ou carro do ano, ou melhor, até tiveram, mas venderam a casa num esquema esquisito com a família e o carro para pagar dívidas, e claro que nunca conseguiram nada disso de novo. Mas ela, quase todos os dias, reclama dessa casa apertada em que moramos e diz que "se Deus quiser" um dia ela vai ter a casa que sonha, com bastante espaço. Ela já tem mais de sessenta.
A esperança não é uma coisa bonita. Eu não consigo achar essa ilusão deles boita e nem tampouco inspiradora. Eles são dois miseráveis que acreditam que um dia vão deixar de ser. E eu também sou, com a diferença que sei que nunca vou sair da mediocridade.
Eu trabalho todos os feriados, e nem posso tirar folgas direito porque o trabalho acumula. E chego tão cansado, irritado mesmo, que só quero dormir, desaparecer. E não há em mim nenhuma fração dessa maldita esperança que meus pais carregam. Se fôssemos pouco mais sensatos todos já teríamos nos suicidado há muito tempo. Pois nada vai melhorar. A maioria das pessoas vive uma vida medíocre e morre, sendo esquecida pouco tempo depois.
A esperança é uma porcaria. É só um jeito de fazer com a humanidade inteira não colapse em um desespero coletivo. Se as pessoas parassem pra olhar a si mesmas, por alguns instantes que fosse, e entendessem sua realidade, seu lugar no mundo, pulariam na frente do primeiro carro. É o mais sensato a se fazer. Mas todas carregam consigo essa maldita esperança. Que as faz continuar a viver.
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Passei a manhã toda tendo pequenos relances de ideias para escrever, mas agora que me sentei com esse objetivo todas se esvaíram. A inspiração é, de certo modo, efêmera, exceto pelo fato de que sempre gosto de escrever até mesmo sobre a falta de vontade de escrever. E, bem, ultimamente, falta de vontade é o tema que mais tem me afetado.
Isso porque não tenho tido mais vontade de fazer nada. Estava fazendo a lista de compras do mês, e me surgiram algumas ideias que poderia usar em casa. Foi apenas um lampejo. Logo desanimei. Afinal, numa casa apertada, com todas as coisas amontoadas, de que adianta investir em beleza? O mesmo vale para o trabalho, e o mesmo para os outros campos da vida, não que tenha muitos. Há dias que não tenho vontade de ir à missa. Há dias que não tenho vontade de assistir minhas séries como antes, mesmo que os episódios de hoje de Love in The Big City tenham me marcado, mas ainda não processei o suficiente para conseguir expressar em palavras. Estudei um pouco, mas não tenho conseguido acompanhar tanto as aulas como gostaria. A minha lista de livros tem um valor absurdo e impraticável, e nem tenho mais onde colocá-los, muito embora, de todas as falhas de minha vida, a busca por uma vida intelectual continue sendo a única intacta.
E isso porque eu não quero isso para agora, quero construir ao longo dos anos, e não desejo aprender tudo imediatamente. A possibilidade de um universo inteiro com o qual posso aprender, o mundo do simbolismo, o abandono dessa realidade pela religiosidade atual e como ela foi substituída pela moral kantiana. A pesquisa histórica do desenvolvimento e prática do concílio Vaticano II e suas atuais correntes... Essas coisas ainda me enchem os olhos e, pouco a pouco, vou compreendendo um pouco mais.
No entanto, isso não é algo que eu poderia chamar de esperança. Não, essa é a minha tábua de náufrago. Eu sei que não tenho salvação, mas enquanto me agarro aos destroços do navio destruído, essas coisas ainda mexem comigo.
O mar revolto, a terra perdida em qualquer direção: símbolos do infinito que nos engole e que nos revolve sem que tenhamos possibilidade de resistir. Se olhamos para cima vemos um céu distante e inalcançável, se mergulhamos vemos o abismo do Ōkeanós, escuro, esmagando qualquer um que se atreva a penetrar seus domínios. É um símbolo da vida, percebe?
"A maioria das pessoas não está pronta para a morte, a sua ou a dos outros. Ela as choca, as apavora. É como uma grande surpresa. Diabos, não deveria ser nunca. Levo a morte em meu bolso esquerdo. Às vezes, tiro-a do bolso, e falo com ela: ’oi gata, como vai? Quando virá me buscar? Vou estar pronto’." (Charles Bukowski)
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