"Essa moeda do coração não se deve nunca reduzir a trocos miúdos nem despender em quinquilharias." (Machado de Assis)
Que eu possa descansar brevemente, chorar a minha sorte, dormir e preparar meu corpo para o retorno da névoa matutina. Que eu possa aproveitar algo nesses dias, quem sabe sentir a brisa do mar na minha pele, ou o vento fresco do fim da primavera, ou o olhar de um belo rapaz, qualquer coisa, se eu puder sentir qualquer coisa, já ficarei bastante grato.
Porque hoje, nesse momento, tudo o que sinto é vazio. Tédio absoluto perante a realidade brutal da existência. Aquele mesmo tédio de Unohana ao eliminar as gangues de Rukongai, tédio de quem contempla o horizonte sem perspectiva de que haja nele algo que valha a pena vislumbrar.
É esse horizonte sem nenhuma sombra de esperança que eu vejo hoje, ao notar toda a poeira que se acumulou ao meu redor. Ao ver os sinais depressivos da minha família, e ver que todo mundo é como um cadáver adiado, presos a uma ideia de que as coisas vão melhorar, e lutando por ela. Mas já se encontram sem forças, ou tempo, para perceber que ao nosso redor há uma grossa camada de poeira, ninguém consegue se cuidar mais. Estamos subsistindo, isso não é nem mesmo sobrevivência. É uma vida muito abaixo da humana.
As coisas refletidas no meu olhar não tem significado. As coisas refletidas nos meus olhos não existem.
E parece que ainda há um sentimento que se reflete em meus olhos.
As coisas refletidas no meu olhar não tem significado. As coisas refletidas nos meus olhos não existem.
Porque sentimentos machucam.
Sentimentos machucam, é por isso que eu também quero selar os meus, num lugar profundo e obscuro da minha alma. Não mais como tesouro, mas como um monstro prestes a me matar. Como o demônio que selou seus poderes para aproveitar melhor as batalhas para sempre, eu devo selar meus sentimentos se quiser ter um amanhã. Se continuar a amar, se continuar a sentir, não terei um futuro, apenas esse olhar opaco e vazio. Porque todo meu amor foi em vão, assim como é vã a busca daqueles que procuram um inimigo que lhes possa entreter para sempre. Toda busca é vã.
No fim há apenas um punhado de terra nos esperando: a parte que nos cabe desse latifúndio.
É por isso que não há razão para carregar sentimentos, alimentá-los, para no fim eles apontarem uma lâmina para meu peito.
Então, que possa guardar esses sentimentos, e esquecê-los. E então, quem sabe, eu possa finalmente descansar.
A maioria das pessoas vive suas vidas sem nenhuma implicação. Passam dias, passam anos, e logo elas são esquecidas. Todas vivem assim, passando pelo mundo como um aceno. Eu não sou diferente. Sinto apenas falta daqueles momentos que podiam ser bons. Coisas simples, já falei disso um milhão de vezes, como tomar um chocolate quente vendo série ou uma cerveja ouvindo música na sacada, sentindo a brisa fria nos dias quentes. Mas ao meu redor a camada de poeira se torna cada dia mais grossa, e eles não percebem que estamos acumulando lixo, como logo jogarão terra sobre nós.
Fui ao psiquiatra, numa emergência, pois as minhas ideações suicidas estavam muito frequentes. Não sei se vai dar algum resultado, a consulta e os remédios me saíram caros, e meu último episódio eufórico me cumulou de mais dívidas.
Os problemas se aglutinam, e eu vejo minha vida passando como um aceno. Mas talvez seja bom fazer uma pausa. Parar de receber mensagens e sentir a brisa no meu rosto, sentado na sacada tomado café com um livro de filosofia no colo, ou Dom Quixote. Ainda não faz calor como será no verão, o vento é quase frio. Logo será noite, veio a tarde. Primeiro dia.
Parece que nenhum deles também têm vontade de fazer isso, afinal não é só a poeira, mas a bagunça se acumulando num lugar que poderia ser bom para todos. Acho que ninguém pensa em sentar na sacada para abrir uma cerveja. A poeira tomou conta de tudo.
As coisas refletidas no meu olhar não tem significado. As coisas refletidas nos meus olhos não existem.
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