Alfred Kubin |
Dormi dois dias inteiros, e isso já não é nenhuma novidade por aqui. Acontece que eu simplesmente não consigo pensar ou ter forças para fazer outra coisa. Seja caminhar um pouco ou até ir à missa, tudo é de uma dificuldade extrema. E amanhã preciso ir para aquele inferno de novo, mais uma semana que começa. Não tenho mais vontade de fazer nada. O coração já não ama nem sonha. Isso é coisa de gente que ainda não viu o mundo.
Uma amiga que está em missão em Uganda me mostrou esses dias a alegria de uma comunidade a receber água pela primeira vez em semanas. Todos com um grande sorriso no rosto. Eles também não têm tempo para sonhar. Ou talvez os sonhos sejam tudo o que eles têm. Talvez sejam idiotas cheios de esperança de que algo ou alguém vai se compadecer deles. Não, isso não vai acontecer. Vão morrer e apodrecer do mesmo modo que viveram: sem que ninguém se importe com nenhum deles. Talvez nem ganhem uma lápide: mármore me soa um luxo extravagante num lugar onde não tem nem água. Talvez terminem como um amontoado de terra com uma cruz feita por mãos cheias de calos usando um graveto seco. Assim terminam os sonhos.
Talvez eu esteja reclamando de barriga cheia, são desgraças diferentes: boa parte do tempo posso me irritar no ar-condicionado, tomando café ou chá e, mesmo que não tenha muito dinheiro, ainda gasto parte dele com coisas para o meu rosto. Mas ainda me sinto como um idiota útil. Trabalhando aos fins de semana, e feriados, sem vontade de viver, com medo do amor e evitando falar com as pessoas para não me tornar emocionalmente dependente delas. Mas, no fundo, desejo ser apenas um punhado de terra, alimentando felizes vermes e bactérias, sem mensagens idiotas e nem paixões a me incomodarem.
Eles não têm água, mas talvez tenham esperança. Eu padeço dessa sede.
Talvez seja um pressentimento, mas me parece que isso é o começo do fim. Ainda bem, já não aguento mais.
Algo de Love in The Big City tem mexido comigo. Especialmente a melancolia de alguns episódios, a forma como os relacionamentos vão terminando, pouco a pouco, como a vida vai perdendo a cor e a paixão se esmaecendo. E eles que tinham tudo pra ficar juntos, acabam se separando sem nem mesmo entender o motivo. É cruel.
Mas o protagonista, o gigante Nam Yoonsu, está sempre tentando, sempre conhecendo gente nova e, mesmo se decepcionando depois, mesmo acabando sempre sozinho, ele se diferencia de mim por não viver sozinho na melancolia apenas. Ele tenta se livrar dela, como quem abana fumaça na frente do rosto. Muito embora não adiante, parece ainda melhor do que eu, aqui sentando sentindo pena de mim mesmo de um modo patético.
Eu deveria sair mais, tentar conhecer pessoas, isso me parece tão óbvio, mas, ao mesmo tempo, tão difícil. Vejo algumas pessoas, e seus amigos, sempre sorrindo, e vejo como estou sempre de fora. Me chamaram para uma festa há algumas semanas, já fazia mais de ano que não era chamado pra nada, mas eu achei aquilo insuportável. Os mais jovens eram idiotas, quem tinha minha parecia ter nojo de mim e os mais velhos também. Talvez tenham percebido meu desconforto: ninguém falou comigo depois daquele dia.
Tentei conhecer pessoas em aplicativos, nada nunca evoluiu. No trabalho eu sou um completo estranho de pessoas que passam o dia inteiro comigo. Eu nunca consigo me encaixar, parece que estou sempre numa página diferente das outras pessoas…
O personagem da série está preso num ciclo de conhecer, se apaixonar e não conseguir permanecer com a pessoa, e isso o torna cada vez mais melancólico, sempre sozinho, mesmo se divertindo com os amigos e encarando a vida de um jeito mais sério. Eu, por outro lado, parece que nunca consigo nem mesmo conhecer ninguém. E assim parece que vai se aproximando meu fim…
"Morremos um pouco a cada dia. De fato, a cada dia, uma parte da vida se perde. Então, também, enquanto crescemos, a vida decresce. Perdemos a infância, em seguida, a puerícia, em seguida, a adolescência. Todo o tempo que passou até o dia de ontem está extinto. Este dia, mesmo que estamos vivendo, o dividimos com a morte." (Sêneca)
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