domingo, 3 de novembro de 2024

Dia de Finados

"Esse é o problema de ser escritor, o problema principal - ócio, ócio demais. A gente tem de esperar que a coisa cresça até poder escrever, e enquanto espera fica doido, e enquanto fica doido bebe, e quanto mais bêbado mais doido fica. Não há nada de glorioso na vida de um escritor nem na vida de um bebedor." (Charles Bukowski)

Os últimos dias foram de uma escuridão interminável. Nauseante. Me lembro de ficar deitado, olhando para lugar nenhum, esperando alguma força para ir para casa. Chegando em casa, simplesmente enchia a cara de vinho e um monte de remédio para dormir, e apagava. Ao voltar, no dia seguinte, o ódio crescente ia tomando conta de mim, depois, durante o dia, apenas um grande e brutal vazio, esperando a hora de voltar a mergulhar na escuridão e, no íntimo, esperando que não tornasse a acordar. 

Mas todo o dia o sol nasce de novo, e daqui pra frente sempre mais e mais claro, é uma forma até brutal de acordar. Eu odeio a claridade do sol. Sempre odiei. Porque dias claros significam pessoas alegres, e significam que esperam que eu esteja alegre, e já tem muito tempo que eu não sei o que é uma alegria de verdade. E os dias passam lentamente, uma eterna roda de tortura, mas eu não sei o que querem de mim. Só sei que tem sido cada dia mais sombrio, embora o sol brilhe, cada dia mais obscuro, mais terrível. Sem paz, sem lar, sem pousada.

O coração se tornou exilado, anda por lugar nenhum sem ter onde dormir. O amor passou, a alegria passou, a euforia passou. Mas o vazio ficou. Por que parece que o vazio nunca some, mas só aumenta, só chega a lugares onde antes não estava? Parece que, ao fim de tudo, o vazio só vai consumindo tudo por onde quer que passe. 

Hoje é um dia patético, como minha vida. Trabalhando num feriado porque idiotas que estão na praia decidiram que isso seria uma boa ideia. Nenhum movimento. Pelo menos posso ouvir música em paz por algum tempo, sentir o cheiro de um chá quentinho de mel, gengibre e cúrcuma, e esperar pelo momento de chegar em casa e, finalmente, assistir alguma coisa. Preciso atualizar as séries que não vi nos últimos dias. Queria também rever uma que me tocou bastante, mas eu sei bem que não vou ter disposição pra isso. Saudades de quando eu podia virar a noite assistindo e dormir o dia seguinte todo. Queria rever The Eclipse, a força da atuação de First e Khaotung. Mas sei que não vou dar conta. Nem saí do trabalho ainda e já estou derrotado. Patético, como esse dia.

Dia de Finados, rezando pelas almas do purgatório, muitas das quais, passados alguns anos de sua morte, já não têm que reze por elas. São esquecidas pelos homens, lembradas apenas por Deus. É como se nunca tivessem existido. Se olhamos ao redor vemos um mundo construído por pessoas que já morreram, no entanto, vemos o que fizeram, já não as vemos mais. É como se não existissem, e o mundo fosse feito por um demiurgo, uma entidade meio abstrata, uma presença ao mesmo tempo, perene, mas sem contorno. Não há muita dignidade nisso. Assim como não há dignidade em trabalhar num feriado, enquanto outros festejam à beira de uma piscina. Mas, desde que existe humanidade, as coisas são assim: umas são mais lembradas do que outras. Umas têm mais dignidade do que outras. 

E ainda dizem que estamos no mesmo barco! Patético. Eu trabalhei num maldito feriado. Outros fizeram "ioga de finados." Passamos por essa vida e depois viramos túmulos velhos, sem nome e nem rosto.

O dia de finados terminou sem que eu conseguisse uma companhia, nem para uma foda rápida sequer. E começou a chover baixinho agora. E eu me sinto um túmulo velho, sem nome, simplesmente esquecido dentre tantos outros.

"Estava deprimido, bem, deprimido não, mas estava desanimado com a estrutura toda, o jogo todo, a vida toda." (Charles Bukowski)

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