domingo, 9 de março de 2025

Vivo


Eu disse que morreria
caso você fosse embora
pois não haveria 
nada pior que isso

mas houve

eu fiquei
vivo.

(Joab Brandão)

Não consigo imaginar melancolia maior do que sinto agora. Todo meu mundo tem se tornado como um rio de águas calmas e turvas. Essa citação encontrou algo dentro de mim, muito embora eu perceba certa dose de contradição em seu final: 


eu fiquei
vivo.


Fiquei, realmente, mas justamente o fato de ter ficado prova que não foi vivo. Isso porque todos eles, cada um dos que se foram, levaram consigo e jogaram ao vento uma parte de mim. Amigos, paixões, amores verdadeiros. E então eu fiquei, mas não vivo, pois isso não se pode chamar vida. 

É verdade que aproveito uma madrugada fresca, no fim do verão, depois de dias de um calor insuportável, e comentar sobre o clima em si já é um sinal da pequenez de espírito deste pequeno filósofo: projeto no tempo o que sinto. É claro que o mundo ao é parte do simbolismo universal, então pelo menos tenho consciência de que uso o tempo como simbolo e não acho que o clima reflita meu interior, tanto que o calor em nada reflete a melancolia que sentia, encontrando-se muito mais representada nessa madrugada fresca, com os insetos barulhando no mangue ao lado da quadra e as roupas tremulando no varal.

Pois bem, meio que ao modo de Proust, e não de Tolkien, a minha relação com a descrição da natureza, além da claríssima e óbvia debilidade em comparação com esses dois gigantes, é que eu apenas consigo ir até aqui, dois ou três parágrafos. 

Falei seriamente com um rapaz essa semana, elogiando-o por sua postura numa ação que fizemos juntos, porque eu acredito que as precisam ser ditas, e eu acredito, podendo muito bem estar enganado, já que sou péssimo juiz de caráter. Mas acredito que ele agiu daquela forma por estar cheio de sentimentos, e vejo muito isso nele também em outros momentos, já que sua beleza me faz observá-lo com frequência. Ele poderia estar tomado de compaixão, ou de fervor apostólico, caridade, muitas virtudes caberiam aqui. Mas e quanto a mim?

As pessoas ainda me pedem muitas coisas. Talvez elas enxerguem algo em mim. Fazem perguntas sobre liturgia e tantas outras coisas, me pedem para dizer isso ou aquilo porque sentem vergonha. Mas o que eles enxergam em mim? Porque se me vejo ao lado desse rapaz, só enxergo meu completo e absoluto vazio.

Mas ele mudou sensivelmente comigo. Falou comigo numa noite mais do que nos últimos dois anos. Sorriu na minha direção duas vezes e não parece desconfortável. Eu não o acho mais tão ameaçador, e notei que ele emagreceu, será que outros perceberam? A barba rala, por fazer, dando um ar mais velho. Talvez pelo sorriso eu não o ache ameaçador, ou porque ver um homem grande sendo carinhoso com uma senhorinha frágil e sorridente mude a perspectiva sobre a pessoa. 

Identifico também um elemento psicológico aqui de alguém que deseja ser cuidado. Acho que encarnei a pessoa que cuida e toma para si as responsabilidades por muito tempo, mas agora vejo que nada e nem ninguém precisa realmente de mim. Poderia simplesmente desaparecer nessa madrugada fresca, uma ou duas pessoas chorariam, mas logo ia passar, na verdade, eu poderia desaparecer e provavelmente seria até melhor assim. 

Vazio não falta. 

Amor não correspondido não faz falta.

Ainda que pareça vivo.

eu sei que você já se
esgotou
mas, no fundo você ainda 
não desistiu daquela
pessoa
porque uma vez ou outra
ela te fez feliz

uma vez ou outra, vale a pena?

(César Augusto)

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