Não é preciso olhar de perto para notar que a poeira se acumula ao meu redor. Não gosto que entrem no meu quarto, sempre arrumei tudo, mas agora, bem, a poeira tem tomado de conta.
Na filosofia de Aristóteles, potência é a possibilidade de transformação ou de um ser vir a ser, fazer ou produzir. O conceito de potência, nesse contexto, geralmente se refere a qualquer "possibilidade" que uma coisa possa ter.
Tenho pensado nisso, em como as pessoas ao meu redor encontram possibilidades. Elas encontram tempo, dinheiro e disposição para irem a bares e cafés, todas as sextas e, às vezes, em dias de semana. Vão ao cinema, conhecem novas marcas de perfume, e velas aromáticas, fazem amigos a marcam encontros com eles.
Enquanto isso, a poeira se acumula ao meu redor.
Tempo, dinheiro e disposição.
Estou de licença médica, o exagero e o assédio me renderam um colapso nervoso, eu não poderia mais ficar lá. Mas isso também significa que meu dinheiro, que já era pouco, diminuiu ainda mais, e a depressão, agravada pelo colapso, me tirou o restante de disposição que me restara. Já não vou mais à ópera ou... Ou... Bem, eu nem sei o que mais eu fazia, acho que nada.
Me recuso agora a aceitar a potencialidade do meu ser. Como sei que aquilo que entra no ser, por um instante infinitesimal que seja, não pode retornar ao nada. Mesmo sendo essa a minha única vontade: retornar ao nada. Portanto, meu ser deseja a inércia. Não podendo não-ser, serei sem ser de verdade, o que já sou: um ser que não é.
Eu observo uma miragem distante. Nela não há bares e cafés, as cidades estão destruídas, reduzidas a ruínas, já não há cinemas e nem amigos para conhecer, não há sobreviventes. Mas, o que seria o fim do mundo para todos, para mim, já é a realidade, pura e simples.
Ruínas e solidão, e a poeira que se acumula ao meu redor.
Quando olho ao meu redor, tudo que vejo são pessoas derrotadas, absolutamente vencidas, maceradas pela realidade. Até mesmo aqueles anjos, imagens dos deuses entre nós, volta e meia aparecem deprimidos, isto é, no mesmo estado de colapso que eu, mesmo que tenham peles perfeitas, cabelos impecáveis e talento e amigos que os rodeiam. Ainda sentem o vazio como eu, e desejam voltar ao nada.
Todos os outros estão lutando uma batalha que não podem vencer. Chegam em casa todos os dias chateados e cansados, e vivem apena algumas horas por semana, nas outras são escravos, humilhados e assediados. Não constroem nada de valor. Até mesmo os bilionários, com suas mansões que serão vendidas para o próximo bilionário e o seu dinheiro, os números no algoritmo de algum banco, serão divididos, multiplicados, retidos, distribuídos de forma tão confusa quanto seu corpo será devorado pelos vermes debaixo da terra.
desisti de namorar,
desisti de guardar segredos e fazer planos.
Os dias devem ficar mais amenos a partir de agora, isso vai facilitar muita coisa.
Sei bem que muitos podem até questionar: tá, mas qual a importância de tudo isso? De um sentido, de amigos que compartilhem seus ideais, de companhia para a vida?
Não sei, só sei que ao pensar em todas essas coisas eu sinto algo faltante, como se algo que fizesse parte de mim, já não estivesse mais. E assim eu sigo, sentindo apenas o vazio da parte que falta em mim, e a poeira ao meu redor que se acumula cada vez mais.
Uma criança inocente segura o meu dedo, mais uma vida nessa existência miserável, pobre condenado.
Depois assistir ao fim de todos os homens, tomados de ódio e ganância, e sento numa pedra, ou no escombro do que já foi um prédio qualquer, ou na minha cadeira de plástico na minha sacada de frente para o mangue. De todo modo só vejo destruição. A poeira se acumulou tanto que toma todo o chão. Acho que isso é tudo que restou.
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