Penso se quem inventou essa coisa de distância tinha por objetivo esse aperto no peito.
Uma mãe sentada na varada, a casa vazia e silenciosa, ela ouve o sino da igreja, já deve ser meio-dia, e os trabalhadores param para tomar seu almoço, mas seus filhos se foram, não há razão para fazer comida como antes, quando todos se sentavam ao redor da mesa contando como fora o dia. Os mais novos contavam das lições da escola, ou das brincadeiras com as crianças da vizinhança. O mais velho falava da beleza da jovem que se mudara para algumas ruas ali perto, o marido ouvia e sorria, até pigarrear e todos se silenciarem para a oração, antes de recomeçarem o falatório.
Agora ela está ali, sozinha, e nem consegue mais dizer para onde foram todos eles. Segura um livro ao colo, Proust talvez, já nem lembra mais, pois parou de prestar atenção há muito tempo, e o deixa se fechar, adormecendo lentamente no que será mais uma tarde solitária, seguida de uma noite solitária e mais e mais dias solitários, até que, minguando suas forças, encontre um fim solitário, descansando solitária na terra, sem saber se algum deles vai voltar.
Em outro lugar, debaixo de um sol ardente, um velho senta-se à sombra de uma bananeira, apoia-se num tronco seco para comer uma marmita que preparara de manhã cedo, antes que o dia clareasse. A enxada apoiada na árvore e as mãos, grossas e cheias de calos, tremendo, pela idade e pelo esforço. Não tem espelho, mas, se tivesse, veria cada ano debaixo do sol vincado nos sulcos profundos de sua pele maltratada. Foram muitos anos, já nem os conta mais. Apenas observa aquela terra que constantemente precisa ser cuidada, se estender num tapete marrom quase infinito. Ele seca algumas gotas grossas de suor do rosto antes de começar a comer.
A saudade não tem uma forma, mas se personifica em episódios assim. Eu me vejo assim, de algum modo solitário com um livro ao colo numa casa sozinha, ou sentado a olhar apenas o trabalho infindável na minha frente.
A minha saudade tem nome e sobrenome, se manifesta num aperto triste no coração que dura o dia todo e se intensifica à noite, quando, sozinho, preciso dormir. É vazio, e dói ainda mais quando me lembro que ele não deve sentir o mesmo, que não deve querer me abraçar e ficar ao meu lado. É como se deixasse cair o livro, ouvindo o sino da catedral, uma procissão passa ao fim da rua, e eu não consigo me levantar porque não há braço em que me apoie. Talvez seja melhor apenas fechar os olhos e apenas adormecer.
Penso se quem inventou essa coisa de distância tinha por objetivo esse aperto no peito chamado saudade.
E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!
(Fernando Pessoa)
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