terça-feira, 18 de março de 2025

Seguir em frente

Já fazia algum tempo que não chovia.

Algumas pessoas nos fazem bem, simplesmente pela presença delas junto a nós. Não precisam fazer muito. São pessoas de ouro.

Outras nos fazem desejar por sua presença, mas, não raramente, a sua presença causa apenas desilusão, dor. São presenças sem sentidos que desejamos porque acreditamos que serão boas para nós. Mas não são. São apenas um simulacro de bem, uma forma vazia, se olhamos de perto, vemos que em nada nos fazem bem como aqueles que o fazem sem esforço.

Gosto do som dos trovões e das luzes dos relâmpagos. Aqui, de vez em quando, vemos um raio acertar algum lugar. Sorrio imaginando se ganharia poderes se um deles me acertasse. Mas acho que seria apenas fulminado.

Relações são sempre complexas. Me senti chateado com o que acontecera, e todos ao meu redor notaram: eu já não queria mais estar ali. Apenas queria ir embora. Não consegui mais sair de casa depois disso. Queria dar um abraço de desculpa a uma pessoa dourada, mas não foi possível, tinha outra presença inconveniente.

Mas não se engane, leitor, não estou me iludindo de novo. Esse homem já não existe, e até a última desilusão já era mais do que esperada, era desejada, para que pudesse logo seguir em frente. 

Seguir em frente, contra minha vontade, mas seguir, para a próxima desilusão, esperada e desejada. Para que não possa mais sair da cama, para que apague em remédios, para que estrague meu tratamento, para que prove na minha carne, em cada marca e cicatriz profunda, que o amor é apenas uma espada de aço frio a nos cortar.

Tem um rapaz novo no lugar onde tenho feito tratamento, é muito bonito, e também o psiquiatra que me atendeu. Também um paciente, é a segunda vez que o vejo, está no espectro autista, é bem observador, mas não ouvi sua voz, nem tentarei. Assim como não tenho mais vontade de tentar nada. Notei a beleza deles, mas isso é tudo.

Meu corpo todo dói, precisei ir na consulta, e já havia três dias que não saia da cama. 

Já fazia algum tempo que não chovia, agora, pelo som dos trovões, acho que hoje deve chover.

"O adulto é triste e solitário." (Clarice Lispector)

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