A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
Foram vários sorrisos, encantadores eu diria, alguns abraços apertados e até um beijo, meio atrapalhado. Por alguns brevíssimos instantes, enquanto isso acontecia, era como se aquela barreira, aquele Campo de Terror Absoluto, fosse desfeito, e então, eu pudesse tocar, ainda que de modo superficial, nesse grandioso e quase infinito, imensurável oceano da consciência do outro.
Mas era apenas ilusão, um engano de percepção, a rápida euforia me deu essa impressão, movida pela carência, pela sensação do nada, do vazio (não, eu não li o Seminário Crítico XIX de Lacan, onde ele introduz a noção de vazio distinguindo-a da "falta" e do "nada"). Essa carência sempre faz isso, sempre. Faz ver afeto e proximidade onde não há.
Depois, cada um foi para sua casa, eu não saí para beber como planejara, e as despedidas, pelo menos as minhas, foram rápidas, como se eu não passasse de um conhecido que, por acaso, estava ali, e era exatamente isso.
É sempre isso.
E então eu passei o dia seguinte inteiro na cama, não conseguia me mover.
O dia inteiro
de nada
nada
nada
do mais absoluto
e completo vazio.
Eu queria assistir, queria sair e tomar uma cerveja com algum amigo, queria ouvir música, em alguns momentos sentia essa vontade, mas eu não conseguia fazer nada disso, ela era engolida novamente pela escuridão, eu sentia como alguém tentando nadar contra a força invencível do oceano. Era apenas um corpo inerte, pesado, e uma mente vagando num deserto de sal,
frio, sem ninguém,
no coração de um mundo desabitado.
Quando já era noite eu precisei tomar energético para conseguir ter alguma disposição, por mais artificial que seja. Só então consegui, depois de muito esperando algum resquício de energia, fazer alguma coisa.
Sinto-me num pêndulo, como quem vive e morre várias vezes ao mesmo dia, eterno retorno, um inferno fechado em si, como o ourobouros que trago marcado ao peito. Naquela época eu não imaginava que ele seria tão emblemático.
Se retorno então à experiência daquele dia, e evoco aqueles momentos, felizes, é verdade, porém fugazes e talvez vazios, mais uma vez eu me dou conta daquela verdade. Aquela, de todas as experiências, me parece a mais brutal, a mais presente, ainda que poucos se deem conta. Ou talvez porque realmente eu seja o único condenado. Não por ser especial, pelo contrário, mas por ser diferente, um abortivo. Daí meu retorno a Instrumentalidade, a minha vontade de, por temer a carência, acabar desejando me tornar um com todos. Não pergunte por que, não existe outra maneira de existir. Mas é algo impossível, embora fosse da mais absoluta necessidade. A única realidade possível, ou que se realizou, é essa de que me dei conta mais uma vez:
"Sim. Existe um vazio bem no âmago de nossas almas. Uma imperfeição fundamental que tem assombrado todos os seres desde o primeiro pensamento. Em um nível primitivo, o homem sempre esteve ciente da escuridão que mora no núcleo de sua mente. Temos procurado escapar desse vazio e do temor que ele provoca, e o homem procura preencher esse vazio." (Neon Genesis Evangelion)
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