quarta-feira, 26 de março de 2025

O mundo, os gênios, e eu

Percebi, muitas semanas atrás, que venho preferindo iniciar meus textos com uma breve descrição do clima, numa tentativa de encontrar certa relação entre o tempo, o céu, a temperatura, e o meu estado mental. Não é naquele erro comum, como se o mundo refletisse meu interior, não, não é assim. Olhando o mundo, e como ele se expressa das mais diversas formas, eu busco formas de explicar o meu interior. 

Finalmente as estações mudaram. Os dias quentes, abafados e úmidos agora dão lugar a uma brisa fresca que sopra no início de cada manhã. O sol pode ainda brilhar com força em alguns dias, e queimar com violência, com a ausência das nuvens, mas com a diminuição da umidade não se torna tão desagradável assim, tornando possível passeios e momentos de tranquilidade, como sentar-se a calçada e ver as pessoas passarem, algo que há muito já não se faz, como diz na música do Pe. Zezinho onde "na varanda, meus compadres e comadres tiram prosas repartindo as esperanças."

Me recordo então das variações presentes nas sinfonias de Mahler e, mais recentemente familiarizado, Shostakovich. Expressões de alegria, de resiliência que se contrastam com atmosferas de intranquilidade, explosões de fúria e patriotismo, verdadeiras guerras, políticas ou apenas dos sentimentos conflitantes da alma humana. A esperança pela redenção que perpassa o caminho de Dante e Fausto nas Sinfonias da Ressurreição e Dos Mil de Mahler, ou aquela complexa rede relacional entre cada homem e o regime soviético na Sinfonia Stalingrado de Shosta. 

Penso ainda nas intrincadas relações de cada um desses homens, ainda que tivessem visões que hoje nos parecem equivocadas. Beethoven e sua sinfonia Eróica com seus ideais revolucionários em apoio a Revolução Francesa que, hoje sabemos, teve consequências desastrosas em todos os aspectos da vida humana. Mas esses homens tinham ciclos relacionais imensos, alguns frequentavam cortes, bailes, conheciam os principais intelectuais da época, nas mais diversas áreas, para além da música, como a literatura, a filosofia...

E então eu percebo o meu círculo diminuto, e me pergunto se isso se reflete na minha obra, ainda em gérmen, e em como ela gira apenas em torno desses pequenos problemas, imaturos, que nada se parecem com a luta de um homem. Qualquer um com maturidade deveria ser capaz de resolver tudo em poucos minutos, e essas coisas ocupam espaços enormes na minha mente, e no coração.

Fiquei feliz, brevemente, que um jovem rapaz veio falar comigo ontem no CAPS. Me assustei quando o vi sorrindo na minha frente, e me tocando com a mão pequena e fria, embora seja maior que eu. 

Algo simples, pequeno, mas algo. 
Numa vida vazia, 
numa existência sem nenhum propósito, 

qualquer coisa pode ser algo.

Achoo que hoje deve permanecer fresco e nublado o dia todo.

"O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão."

(Carlos Drummond de Andrade)

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