sábado, 2 de março de 2019

Aroma

"Há uma inocência na admiração: é a daquele a quem ainda não passou pela cabeça que também ele poderia um dia ser admirado." 
(Nietzsche)

Admiramos aquilo que nos encanta os sentidos, levando a alma aquela sensação de elevação espiritual. Tal sensação, por assemelhar-se em gênero, número e grau com aquela experiência real que tivemos no sobrecéu de nossa existência anterior a existência material, nos faz elevar-nos o coração, aos píncaros da idílica arte. 

Admiramos aquilo que, ao observamos e confrontarmos com nossa imensa pequenez, nos faz desejar aquilo que nos propende ao que é belo, justo e verdadeiro. Admiramos aquilo que gostaríamos de ser. A flor que não se abriu por conta da chuva que a machucou as pétalas se ressente ao ver as rosas que imperam gloriosamente suas pétalas escarlates sob a luz do grande sol. 

Alguns observam aqueles que no mundo se destacam dos demais, aqueles que de algum modo foram abençoados pelos deuses das artes, da beleza e do amor, e por eles sentem a inspiração que os faz ir além das limitações, e assim rompem com as barreiras que os prendem na mediocridade. Tornam-se grandes. Por outro lado não conseguem fazer o mesmo aqueles que, governados pelo seu temperamento melancólico, fecham-se em sua cápsula de autopiedade e ali ruminam constantemente sua incapacidade, que na verdade é uma ignorância sobre a potencialidade do ser humano. 

Admiro pessoas que expressam seu talento, que soltam sua voz a plenos pulmões, que não se envergonham de sair as ruas caminhando e cantando a canção que brota no íntimo de seus corações. Vejo nessas pessoas uma aura, e essa aura me encanta, desperta em mim a admiração pela beleza que deles emana. No entanto essa beleza me paralisa, como uma pressão espiritual maior do que a que meu corpo pode aguentar. 

Da admiração vem o desejo, e do desejo vem a inveja. E quando ela torna-se inveja, a inveja não é mais do que veneno, o mesmo que machuca a carne a paralisa o corpo, o mesmo que torna a admiração em escravidão. Não me ocorre, nesses momentos, que também posso ser admirado, ainda que tenha alguns motivos para sê-lo. Não me ocorre que, nesses momentos, sou um pouco mais do que o homem pateticamente medíocre que sou. Não me ocorre que, se me esforçar para seguir os passos daqueles que admiro, serei eu também admirado pelo meu esforço. 

Da admiração me surge essa armadilha, disfarçada pela figura de uma inocente flor, que esconde em si o perigoso aroma da morte. 

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