domingo, 17 de março de 2019

Para preencher o vazio

Essas palavras saem de mim em absoluta contradição com a minha latente necessidade de dormir. Aproveito essa noite de clima ameno pra escrever na madrugada pois amanhã eu excepcionalmente não preciso levantar cedo. 

Parte de mim sente falta de dizer alguma coisa, minha necessidade habitual de expurgar os muitíssimos pensamentos que pululam minha mente. Outra parte deseja apenas fundir-se permanentemente aos lençóis de minha cama, num sono perene. Devo dizer que esta segunda tem sobrepujado a primeira, prova disso é a quantidade de vezes que tenho conseguido me aliviar nessas páginas que me são tão caras. As quimeras parcas que vez ou outra coloco aqui contém então uma potência sugestiva gigantesca, ao passo que as escrevo de maneira sintética o que deveria dizer em muitas palavras mais. 

Finalmente me sento por alguns instantes, na companhia de meu caríssimo silêncio. Finalmente sinto meu corpo clamar pelo descanso que, nos últimos dias, tem sido insuficiente para acalmar meu corpo ainda não habituado ao trabalho cotidiano. 

Me concentro alguns instantes na dor que sinto em meus lábios. Depois de meses de ansiedade realizei a micropigmentação labial que tanto sonhava. Devo dizer que me sinto realizado, ainda que tenha sido uma das piores dores de que me recordo sentir, e olha que não foram poucas. Mas, com ou sem dor, aos poucos me aproximo da paz de espírito que é sentir-se bem comigo mesmo.

Claro que não posso me furtar a refletir se o faço para preencher o vazio que há no âmago de meu ser com a atenção dos outros para, com base neles, formar a minha imagem do Eu. Algo em mim ainda sente inveja daqueles rapazes altos e brancos dos grupos coreanos, amaldiçoando silenciosamente o tom de pele arroxeado de meus lábios e a compleição marrom de minha indireta descendência indiana. Algo em mim ainda crê que quanto mais parecido com aqueles homens, mais me sentirei bem comigo mesmo, realizando quem sabe o tão desejado sonho de achar alguém que me aceite, ainda que um pouquinho melhorado.

De qualquer forma sinto-me realizado, e mais ainda por poder me sentar aqui a noite e escrever-lhe essas brevíssimas palavras, ó meu pequeno diário, e assim livrar-me do peso que é ter comigo essas palavras que, ao mesmo tempo me prendem e me libertam, ferindo-me de uma letra escarlate, rasgando-me a alma como a agulha há pouco rasgou a pele de meus lábios. 

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