sexta-feira, 1 de março de 2019

Da construção do personagem

Autossabotagem, aquilo que eu faço quando as coisas estão indo bem, e então crio em mim mesmo uma situação que me traga desconforto suficiente para sofrer. Situações de dores que poderiam ser evitadas e que eu busco para dentro de mim, situações que sem minha intervenção iriam apenas passar sem que desse importância, situações em que eu me torno meu próprio algoz.

Frequentemente eu faço de meu coração o meu cilício, e busco no outro a razão para minha dor. Frequentemente me vejo buscando situações em que inevitavelmente sentirei dor. Frequentemente me vejo reabrindo feridas antigas apenas pelo estranho e doentio prazer de sentir dor. 

É como se sem a dor eu fosse um homem incompleto, como se sem ela eu deixasse de existir, e aos poucos a minha existência fosse se apagando do plano do ser. Como se minhas extremidades fossem desaparecendo... E para evitar desaparecer eu busco a dor, capaz de me trazer de volta, pois somente aqueles que existem são capazes de sentir dor. 

Talvez esse sentimento de desaparecimento seja o meu Eu pisando no plano da existência real, e o meu medo faz com que eu queira sentir dor para assim retornar a segurança do meu mundinho, onde me escondo para fugir da dor. É uma faca de dois gumes: me machuco para então fugir da dor, e quando finalmente me encontro longe dela, me machuco novamente, iniciando de novo esse ciclo infernal, como o ourobouros

Por isso tantas paixões, tantos amores não correspondidos, tantas lágrimas derramadas em vão, tantos passados que nunca ficam no passado... Tudo é meu ser buscando sofrer na esperança de que isso seja o verdadeiro significado de viver. E assim vou construindo meu personagem, do moribundo que expressa ao mundo a amargura de sua existência pueril. A figura do decadente me traz familiaridade, talvez pela compaixão que os outros expressam para comigo. Talvez seja eu alguém que vive da compaixão dos outros e da autopiedade que flui pelos meus poros numa existência pueril e patética. 

Mas esse é o personagem que eu quero construir? É esse o papel que eu quero interpretar? 

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