sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A risada maligna

Poder: a capacidade de alguém de curvar a vontade de outrem à sua. Todas as nossas relações humanas, de algum modo, giram ao redor do poder, seja ele político, econômico ou intelectual ou até mesmo espiritual. Mas existe um poder em específico, mais limitado e pessoal, que exerce influência sobre mim, com a mesma influência ou ainda maior do que se me oferecesse o mundo inteiro em ouro ou se apontasse uma arma para a minha cabeça.

É o poder que ele tem sobre mim. O poder que ele tem de me desmontar, de me fazer responder mesmo quando eu estou fechado para o mundo, e que preciso me isolar de tudo e de todos porque sei que, se eu o vir, eu o responderei, pois sou incapaz de virar as costas, incapaz de dizer "não", incapaz de não ser controlado pelas cordas de sua voz, que me manipulam com mais liberdade do que o titereiro manipula o seu boneco.

E eu odeio isso! Odeio como ele é capaz de me desarmar apenas com uma ou duas palavras, como seu sorriso me faz perder o equilíbrio e seu abraço me faz esquecer como é que se respira. Odeio como ele faz o mundo, o meu mundo, girar ao seu redor, como se não fosse mais a gravidade ou o ser que me mantivesse nessa existência, mas como se fosse a sua presença o fundamento do meu ser. E eu odeio isso, odeio ser assim, influenciável, estando sempre a mercê de suas vontades, sendo a segunda opção, sendo aquele que ele usa para tapar os buracos de sua carência, sendo aquele que sequer tem um nome dentro do seu coração, alguém que só está ali para ele por conveniência, e não por amor verdadeiro. Eu odeio ser assim. 

Odeio me apaixonar e me deixar levar dessa forma, como um cadáver nas mãos do lavador do cadáver, sem conseguir escolher qual caminho trilhar, sempre precisando tentar andar ao lado de alguém, sempre perseguindo alguém, tentando ajudar a realizar seus sonhos, enquanto eu sequer sei quais são os meus. 

Por outro lado há a completa falta de poder. O homem é um ser que vive sem nenhum poder sobre si ou sobre o mundo ao seu redor. Podemos pensar o contrário quando vemos grandes construções ou, sei lá, a destruição provocada pelas grandes guerras mas, ainda assim, o que nós fizemos? Arranhamos a superfície de um planeta minúsculo e insignificante. E isso é o máximo que conseguimos fazer. 

Eu não tenho poder sobre quase nada em minha existência, antes disso, estou como uma pequena pétala rodopiando num gigantesco furacão, sem nenhum controle. O que mais posso fazer? E, diante dessa perspectiva eu só posso declarar: tudo sempre dá errado para o homem. Tudo sempre dá errado para mim. 

Não se trata de uma afirmação pessimista que prevê que no futuro tudo dará errado, não, mas é uma afirmação tomada com base num passado onde tudo deu errado. Desde pequenos detalhes no plano geral da vida, como um atraso do Uber ou unhas quebradas horas antes de um evento, ou a sacanagem de um chefe ou falta de responsabilidade de algum serviço contratado, tudo sempre dá errado. 

E eu me irrito com as pessoas que adoram encarnar o otimismo e dizer que tudo vai dar certo, porque não vai, tudo vai dar errado, tudo já está dando, muito, errado, e vai continuar assim, visto que vivemos num mundo que tende ao caos, onde somos governados pela entropia, que destrói qualquer perspectiva de homeostase em relação aos humanos. Em relação ao plano da realidade em si o mundo é plenamente equilibrado: ele subsiste na aniquilação diária do homem, na destruição de sua esperança, no esmagar de seus sonhos, desde as grandes perspectivas de vida até os mais mínimos detalhes. Porque esse é o destino do homem, ser um fantoche para as risadas malignas de um destino que se diverte em ver tudo dando errado para os homens, um demônio que vive por puxar nossas cordinhas, ora fazendo-as vibrar e ora largando-o inerte, aterrorizado sem poder se mover, com o poder de sua risada maligna. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário