terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Frizz

Os últimos dois ou três dias têm sido sonolentos, e essa é a melhor definição que encontrei para eles em meu parco vocabulário. Embora o cansaço seja em parte responsável pela minha estadia demorada na cama, pela minha preguiça em responder, pelos compromissos adiados, pelas pálpebras pesadas e visão enevoada, pela impaciência generalizada, também tem culpa a minha decepção, novamente provocada pelo meu ímpeto atroz e apaixonado, pela minha veia luxuriosa, pela carência permanente que há muito, desde antes que consiga me lembrar, tomou o meu ser, desde os fios de cabelo arrepiados de frizz até cada pequena fibra dos meus músculos. 

É aquilo que já faz parte de mim, uma característica que renego com veemência mesmo sendo ainda mais marcante do que o brilho do meu olhar. Isso porque ela guia a maior parte das minhas ações, é ela que guia muitos dos meus pensamentos, é ela que dá sentido aos meus abraços, aos meus beijos e a todos os meus relacionamentos. É ela que me guia, seja para o céu azul ou o inferno, com mais clareza que a luz que brilha ao meio dia. 

Essa carência tem tantos impactos no meu eu que a cada dia eu me surpreendo com alguma demonstração sua, em algum lugar que eu não esperava, por algum motivo que eu não esperava. Seja, deitado sozinho, numa cama que repentinamente se tornou grande demais para o meu pequeno corpo, seja olhando no espelho, com desgosto, para a cor suja da minha pele, para o meu cabelo sem forma, ou ouvindo com desagrado a minha voz. A verdade é que olhar ao meu redor e não ver ninguém, não sentir um abraço ou o um o coração batendo forte, me faz procurar em mim todos os defeitos que possam explicar os motivos de estar assim, sozinho. 

E é por isso que tanto me cobro, para que o pouco que fizer seja feito bem feito. Mas é também por isso que eu muitas vezes prefiro não fazer nada, simples assim, não fazer nada! Ficar deitado, me concentrar apenas nos acordes de sonatas e suítes, é melhor do que pensar em qualquer outra coisa. Ignorar as imagens e as vozes que surgem na minha mente, me lembrando coisas que eu quero esquecer, e mesmo quando o sono se esvai, ainda tem a amizade dos benzodiazepínicos, que me socorrem nesses momentos. É melhor dormir e apagar do que ficar sonhando acordado com coisas que nunca vão acontecer, querendo a companhia das pessoas e o carinho que eu nunca vou ter. É melhor desaparecer do que insistir numa existência que só é capaz de trazer dor e solidão, do que pensar em verdades que sobre as quais eu prefiro não saber. 

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