quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Fogo X Gelo X Lança Celestial

Um homem que se vê perdido em plena escuridão pode sentir-se feliz ao ver uma luz brilhar, guiando seus passos errantes. Aqueles que andava sem rumo passa a fitar aquela pequena estrela, lá no céu, tomando-a como seu Norte. Ele não está mais perdido, mas agora tem um objetivo, um destino a chegar. Mas, e quando a estrela não é mais do que um farol distante que brilha apenas porque foi aceso por seus próprios inimigos para trazê-lo ao seu campo de batalha, ou melhor, ao seu campo de execuções?

A esperança é a luz acesa pelo inimigo para conduzir os pobres desesperados que vagueiam sem rumo pelo deserto da vida ao seu próprio fim. Não mais precisa incorrer em longas perseguições, não precisa se preocupar em encontrar, não, o próprio inimigo os encontrará, e caminhará contente para os braços da própria morte, abraçando-a com alegria por não precisarem mais caminhar na escuridão.

Aqueles que caminham sem destino, que não sabem para onde ou por onde vão, sentem uma insegurança máxima, um desespero pelo temido desconhecido, pelo inimigo que se esconde na escuridão. A luz, por menor que seja, lhe tira essa apreensão, mas também lhe tira toda razão, pois já não pensa se tratar de uma armadilha, não, é uma estrela, é uma luz que o guia. E, seguindo cegamente, ele cai nos braços daqueles que lhe querem matar, mas não sem os requintes de crueldade de executarem na sua frente aquilo que ele tem de mais valioso, aquilo que em seu coração ocupa mais espaço do que o apreço por sua própria vida.

Aquela luz, que representou o fim das trevas era, na verdade a que o conduziam para os tentáculos gelados das próprias trevas, que tão ardilosamente prepararam aquela pira ao seu amado

Como não cair em desilusão? Como não ser destruído pela foice da própria morte que se transmutara em esperança e que nos aquecera em meio a noite fria? Como não olhar para aquelas chamas que mais parecem arder não de calor, mas como gelo, tirando dele tudo o que o calor lhe havia dado? Naquelas labaredas ardem a suas esperanças, se desfazem seus amores, e tudo o lhe resta é um olhar frio e vazio, enquanto caminha não para o fogo, mas para um inferno de gelo, para um abismo que ele mesmo cavou com seus próprios pés enquanto caminhava. Fogo e gelo ardem juntamente para destruir completamente seu corpo e sua alma. Um lhe deu a esperança, cega e vazia, e o outro lhe deu o fim, silencioso e desesperador, catatônico pela perspectiva de que não adianta mais lutar, e que tampouco há outro lugar para onde ele possa andar.

Mas eu não quero ser interpretado erroneamente com essas palavras. Quero deixar claro que a luz de que tanto reclamo aqui é aquela que nasce da falta de esperança de nosso próprio coração que, por medo da escuridão, muitas vezes necessárias ao nosso crescimento, nos conduz ao nosso próprio fim. A noite escura não é uma maldição, mas, ao contrário, uma provação que pode se revelar muito proveitosa ao espírito peregrino. Mas temos medo da escuridão e, na ânsia de encontrar uma saída que seja rápida, depositamos a nossa esperança em qualquer luz que apareça a nossa frente. São promessas fáceis de felicidade e realização, são convites, são olhares, são tudo o que alimenta o coração vazio do homem, faminto e necessitado de calor. Ele então anda em direção aquela chama, sem perceber que caminha para a própria condenação, para a fogueira que, queimando os corpos daquele que ele mais ama, queimará também sua carne até os ossos, reduzindo-o as cinzas frias daquele dia, sendo esquecido ao vento e, depois, perdido na frialdade já inorgânica da terra por onde um dia ele peregrinou.

É difícil saber onde devemos depositar a esperança e, com frequência, o cansaço da batalha nos faz crer que as provações já são o suficiente e que por isso devemos confiar naquela luz, que aquela talvez seja a luz que tanto buscamos. Mas, como nos ensina o Antigo Pai, aquela Luz está dentro, e não fora, ela está conosco, embora na maior parte das vezes não estejamos com ela. E é essa luz, que de dentro do coração arde para fora dissipa as trevas do pecado e da morte, que deve ser a nossa guia, que nos guia com mais clareza que a luz do meio dia.

Repito, por fim, um pequeno trecho que considero bastante ilustrativo e, embora já tenha aparecido aqui diversas vezes, ainda se casa muito bem com o que venho tentando dizer e, mais importante ainda, guardar no profundo do meu coração e entendimento.

“Alguns dizem que o mundo vai acabar em fogo,
Alguns dizem em gelo.
Pelo meu desejo
Eu retenho aqueles que favorecem o fogo.
Mas se tivesse que perecer duas vezes,
Eu acho que sei o suficiente de ódio
Dizer que a destruição de gelo
Também é grande
E seria suficiente.”

(Robert Frost)

Eu, por outro lado, afirmo que o mundo terminará quando, imersos numa infindável escuridão, lançando todos os homens no mais profundo abismo do desespero, veremos brilhar, no alto céu uma luz, que não será mais do que o brilho refletido da lua na grande lança do destino, apontada diretamente ao nosso peito, instantes antes da aniquilação total, aquele momento ínfimo em que o tudo, repleto de amor e esperança vazios depois do expurgo pelo fogo e pelo gelo, voltará ao nada.

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