quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Vento de Prata

Me sentindo uma péssima pessoas, em todos os sentidos, em todos os campos de minha vida. Me sentindo um péssimo filho, que não é mais do que um peso para os meus pais, uma ocupação de espaço nessa casa, sem nenhuma ajuda ou contribuição. Me sentindo um péssimo irmão, negligente, distante, que fechou os olhos e cruzou os braços para tudo que havia de errado e que se esconde no quarto enquanto todos se matam de algum modo do outro lado da porta de madeira. Me sentindo um professor fracassado, que não sente mais a mínima vontade de explicar nada para ninguém por se ver incapaz de ensinar algo de verdade. Me sentindo um péssimo projeto de intelectual, que dorme durante as aulas e abandona as leituras pela metade, que sabe que, mesmo tendo algum talento, nunca vai chegar a ser grande, nunca saindo da mesma mediocridade que tanto abomina. Me sentindo um péssimo cristão, alguém incapaz de vencer os próprios pecados de estimação, alguém que não faz mais do que qualquer um com o mínimo de amor pudesse fazer dez vezes melhor na paróquia. Me sentindo um amigo horrível, que escreve e machuca aqueles que mais ama, que os afasta e repele. Me sentindo uma pessoa incapaz de ser amada, que a ninguém conseguiu tocar, que a ninguém conseguiu mostrar ser merecedor de algum amor. É isso, que é ser um completo fracasso, em todos os sentidos, em todos os campos de uma vida miseravelmente medíocre. É isso que é viver de mendigar afeto, frases curtas de vaga aprovação, de buscar calor nos braços de desconhecidos e de viver da inveja pelo amor dos outros. É isso, nada mais do que uma serpente mirrada que rasteja pelo chão enquanto volta seu olhar para o céu, o mesmo céu que ela jamais poderá sentir a menos que torne-se presa de alguma grande ave, que voa por aquele mesmo céu, mas sem inveja, dominando-o por entre suas plumas majestosas, observando ao longe com seu bico e presas de aço, voando pelo meio das nuvens, soprando aquele vento de prata, o mesmo que toca a serpente, trazendo até ela a zombaria daquela que voa por sua cabeça e que logo planeja fazer dela sua mera presa. É isso que é viver apenas por esperar a lança divina transpassar a minha carne e o meu ser desde o alto de sua morada, caindo sobre mim o fechamento de um destino que foi feito sobre a areia, e que vai desaparecer como essa mesma areia, voando pelo vento. 

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