segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Cessado o cansaço

Finalmente a maior parte do cansaço cessou, perdendo-se entre as dobras das cobertas, dissipando-se nos gemidos sonolentos após o merecido sono dos justos. O tempo colaborou com uma breve chuva, que deixou o clima agradavelmente ameno, com uma brisa fresca a soprar meus cabelos, enquanto deitado assisto alguma coisa. 

Já me esqueci daquela sensação, quase um rancor, a respeito dos que me abandonaram sozinho com mais obrigações do que poderia cumprir sozinho. O resultado final foi tão satisfatório que isso nem importa mais, estou contente com o que consegui fazer, e é isso. 

Claro, isso não significa de modo algum que não deixo de sentir ainda agora que continuo sendo apenas o idiota útil, que é útil justamente por ser idiota o suficiente para não se revoltar contra isso. Bom, de qualquer forma, o mundo está repleto de idiotas de qualquer jeito, sou apenas mais um.  

Aliás, não apenas nisso eu sou apenas mais um, mas também me vejo como um igual junto aqueles que buscam no divertimento, banal e superficial, não uma resposta mas uma fuga aquelas verdades íntimas e secretas que sabemos, vimos e fingimos não saber. Acho que tem sido mais fácil, me embriagar levemente com o objetivo de fazer aflorar o personagem apaixonado que consegue usar dos seus sentimentos não correspondidos para escrever coisas que soem como palavras desenhadas com sangue, como quem se derrama inteiramente na letra, muito embora não tenha restado realmente nada substantivamente suficiente para se derramar. 

Tornei-me um pequeno ouriço bucólico, que encontra distrações nas coisas que não me fazem esquecer nem por um segundo sequer a miséria que me cerca, mas que me desperta, que me torna um pouco mais sensível justamente para dizer o quanto tudo isso é patético. 

Mas tudo isso o quê? A vida do homem em si, vivendo cada dia, seus trabalhos e afazeres, como se tivesse um objetivo no fim de tudo isso, sendo que na verdade ninguém sabe ao certo nem o que será de nós no fim do dia, que dirá do futuro incerto. As ilusões, que antes me apavoravam e me deixavam sem dormir, agora me divertem. Eu vejo as pessoas correrem atrás do amor, de uma realização, de qualquer coisa que possa dar significado a suas pequenas existências patéticas, que desaparecem ante a mim e ante a si mesmas como poeira lançada ao vento, podendo até mesmo incomodar os olhos brevemente, mas logo deixando de existir, indo para tão distante que ninguém sequer pode afirma com certeza que chegaram a existir um dia. É realmente patético e miserável. Sob uma escala minimamente macroscópica é risível, não mais do que as trombadas incertas de formigas atrás de migalhas que caem da mesa de seres tão grandes que elas sequer podem compreender, assim somos nós diante de um universo, de uma existência, que sequer podemos tentar entender. 

Nos resta a doce ilusão dos amores. Beber ao lado de quem te rejeitou é uma boa ilustração do quão patético um homem pode se tornar. Eu nunca pensei algo diferente disso a respeito de mim. Mas, ao observar as pessoas ao meu redor, especialmente as de minha própria casa, eu vejo que na escala da miséria humana eu não estou tão ruim assim. A absoluta falta de perspectiva de presente e futuro dos meus pais, aliada a completa destruição de seu senso de proporções resultam numa existência aglutinadora de problemas, eles interpolam uma coisa depois da outra e isso é o máximo que conseguem fazer. A minha irmã (sic!), entregou-se completamente a bestialidade dos prazeres mais baixos que o homem já ousou conceber. Tenho agora dificuldade de olhar para ela e enxergar figura humana, senão que vejo apenas um animal em busca de saciar seus apetites mais primitivos, ás custas de quem quer que seja, alimentando-se visceralmente do que restou de meus pais e, eventualmente de mim, quando me faz mergulhar em um oceano de ira contida que não poderia ser extravasado de outro modo senão quebrando uma longa série de artigos do código penal, infelizmente não tenho compleição física para as cadeias, sendo obrigado a internalizar.

Isso me leva a outro ponto. Decidi me recusar a dar continuidade ao meu tratamento de Transtorno Bipolar. A infeliz da mau caráter faz um inferno nessa casa e, pra melhorar um poucos as coisas, eu sou obrigado a cruzar metade do estado para ir num médico que vai me entupir de remédio como se o problema fosse eu? Não. Interrompendo o tratamento quem sabe eu não surte logo de uma vez e, dando cabo finalmente da minha vida miserável eu fique livre de uma vez por todas de ter de conviver com essa criatura espúria? É um vislumbre melhor do que uma doença hepática grave por causa do uso exagerado de medicamentos. Prefiro ficar com os benzodiazepínicos ocasionais que, pelo menos, me ajudam a fugir daqui para aquele mundo dos oneiros que, mesmo sendo horrível também, pelo menos não conta com a presença dela e de nenhuma de suas amizades. 

As vezes eu penso se todos os meus problemas se resolveriam se me mudasse de casa (o que me exigiria, primeiramente, um emprego que pagasse mais do que um salário de fome) ou se conseguíssemos, por algum milagre do universo, uma casa pelo menos três vezes maior, onde não precisássemos ficar cruzando uns com os outros toda hora, nem tropeçando nos moveis e, muito menos, compartilhando o mesmo banheiro minúsculo entre oito pessoas, no mínimo. 

Encontrar um emprego é outro desafio do meu tempo atual. Em época de pandemia ninguém tá lá conseguindo muita coisa, isso é verdade, mas eu admito que sequer estou tentando. Acontece que todas as vezes que penso em trabalho eu fico paralisado. Eu me lembro de toda chateação que era no último colégio, ser liderado por imbecis e ter de receber ordens de pessoas absolutamente incapazes de compreender o que quer que fosse sobre educação. Se esse fosse um país decente todos estariam hoje presos por todo o dano que causaram as crianças que estavam matriculadas ali, o que fazem não é mais do que crime, e um dos piores porque não só impede a vítima de se defender como cria nelas uma deficiência quase impossível de ser corrigida ao longo da vida. São criminosos. 

E então eu penso que teria que levantar cedo todos os dias, ouvir alunos chatos e burros todos os dias, receber ordens de pessoas ineptas todos os dias, gastar tempo elaborando e corrigindo provas, lendo as maiores absurdidades em detrimento de cada pequeno detalhe explicado em sala de aula. Todo esse cansaço é a causa da paralisia. 

Outros empregos são igualmente desmotivadores. Passar o dia inteiro num escritório sonolento, realizando funções sem absolutamente nenhuma importância pra humanidade... Argh! Por outro lado, gostaria de escrever, vivendo de colocar ideias em circulação, dizer aos outros o que penso. Mas se nem mesmo aqui, onde o faço de graça, essas ideias atraem algum interesse, quanto mais num livro envolvendo todo um escopo de gastos editoriais num país onde livros escritos por youtubers ocupam o topo do rank de vendas. A verdade também é que eu não tenho mais sobre o que dizer. Não tenho idade e nem experiência de vida para falar algo de substantivo. 

Pois é, o meu futuro não é muito promissor. E eu já não sou um garotinho de quinze anos, as coisas já deveriam estar mais encaminhadas. Mas não estão, e não faço ideia de como vou começar a fazer isso. 

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