terça-feira, 22 de agosto de 2023

Daqui do meu lugar

Finalmente depois de longas semanas eu consegui uns poucos dias para descansar. E eu estava precisando, o corpo já ultrapassando todo e qualquer limite, não tendo mais de onde tirar, não conseguindo mais me alertar nem com altas doses de café ou energético, com o raciocínio limitado e a mente anuviada. Efeitos do esforço prolongado. 

Mas então eu pude acordar mais tarde, assistir também até mais tarde e beber um pouco mais. Voltei pra casa todo dolorido mas com uma sensação de dever cumprido, isso já me valeu, seja no sorriso do velho artista argentino que me agradeceu por lhe dar certa atenção para sua obra ou no reconhecimento do chefe acompanhado de uma promoção. 

Me olhei no espelho e vi então traços dos últimos dias, a barba cheia já cobrindo a bochecha, a sobrancelha se fechando, unhas sem esmalte e, não tinha prestado atenção a isso ainda, fio brancos pulando dos lados... É, parece que a idade está chegando (e sim, permita-me dizer isso sem levar em consideração que só me apaixono por rapazes bem mais novos do que eu). Mas tudo bem, alguns dias diminuindo o ritmo devem ser suficientes, ainda que, admito, além do cansaço esse descuido seja acompanhado daquela minha velha descrença na beleza, acentuada pelos belos modelos que pulam à minha frente a todo momento. Eu sei, no entanto, que nada que eu faça vai chegar aquele nível, só o que posso fazer é tentar melhorar um pouco o que eu tenho, e que não é grande coisa. 

Nada de anseios sensuais ou grandes fotografias para mim, eu fico com a poesia e a arte, com tudo aquilo que as pessoas feias se ocupam por não serem bonitas e não estarem ocupadas sendo amadas por serem bonitas. 

Também o vinho me ajuda a falar sobre isso assim como da sensação, que de novo se fez presente e de novo despertou em mim anseios, tanto poéticos quanto quase niilistas, de ser ignorado ou motivo de nojo aos outros. Em princípio foi uma uma sensação que tive após alguns olhares discretos que se desviavam de mim ao passar mas, com o tempo, eu percebi que não estavam com nojo de mim, eles não prestavam atenção em mim o suficiente para isso, eu simplesmente era imperceptível a todos eles. Não sei qual das duas constatações me machucou mais.

Mais tarde ainda descobri que ele havia passado a noite anterior com aquele meu menino de branco... E ambos sorriam e, em todas as fotos, estavam um ao lado do outro. Eles se notam, eles sorriem um para um outro, existem e não se olham com nojo. Claro que eu não tentaria nada com uma pessoa tão mais nova e com tanta experiências para ter ainda, que eu jamais teria disposição para acompanhar, mas essa distância brutal me machuca, machuca muito.

Talvez essa constatação só não tenham machucado quanto aquela noite, ainda durante os dias intensos, que eu engoli uma dor por falta de tempo para pensar sobre ela. Foi uma ocasião particularmente solitária quando, numa noite de espetáculo, me vi completamente sozinho e sem a quem recorrer. Não havia quem pudesse chamar, conhecido ou não, eu estava ali, absolutamente sozinho, num centro efervescente de pessoas, e nenhuma delas olhava para mim, ao passo que eu conferia muitas vezes a tela escura do celular na esperança de que alguém se lembrasse de mim. Ninguém se lembrou, e eu mais uma vez fui dormir sem que ninguém, ninguém mesmo, sequer se desse conta de que aconteceu. 

E como eu cheguei a esse assunto se comecei a falar do meu descanso? Bom, é que ao repousar o corpo, a mente encontra tempo propício para elaborar melhor todo o resto. Então, enquanto eu me sentava no banco da igreja olhando o altar e uma pessoa me parou para perguntar a razão da minha tristeza, sendo que era só cansaço e uma brutal consciência de mim mesmo. Eu só queria poder olhar para o altar um pouco mais e, sem esquecer de mim, conseguir uma razão maior para continuar.  

"Daqui do meu lugar, eu olho teu altar e fico a imaginar..."

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