terça-feira, 8 de agosto de 2023

Um pouco de platonismo

Foi caminhando nas ruas de uma silenciosa Joinville nessa preguiçosa manhã de sábado que eu lia aquelas palavras, de um realismo seco, quase um pessimismo, que me é tão caro. Acredite-me, eu sei bem o quanto crio e me perco nas minhas próprias ilusões. Sei bem o quanto o idealizei, não somente a ele mas a tantos outros, criando sempre a expectativa de um amor perfeito, uma colcha de retalhos feita de muitas cenas que captei aqui e ali, de abraços ternos, regaços apaixonados, olhares de carinho, toques infindáveis repletos de significado. Contudo, é na frialdade do concreto que caminho que encontro a realidade mesma das coisas, de momentos belos e até felizes que se contrapõem, justapõem e aglutinam com outros tantos de tédio, infelicidade, ira, luxúria e tantos outros, formando uma complexa rede que não pode ser reduzida a esses sonhos cor de rosa porque eles sequer existem. 

Essa idealização é a chave do fracasso, e de fracassos entendo bem, assim como da mediocridade. De todo modo, se não posso viver nada disso, e caminho com um olhar idiota de quem conhece essa realidade, ao menos sonho de vez em quando, sem me deixar levar pelos encantos fugidios dos homens que passam como passam as flores dessa cidade, num dia botões discretos, flores brilhantes molhadas pelo orvalho e depois pétalas esmagadas pelos pés. 

Agora, falando de alguém mais específico, eu sei bem o quanto tenho alimentado os sonhos com relação a você, e já o disse em mais de uma ocasião que pretendo mudar, e pretendo mesmo, porque é injusto comigo e contigo também. É injusto porque ela envolve uma série de sentimentos, de cenas irreais, onde você e eu figuramos como protagonistas de uma história tão bela quanto mais irreal, beirando a loucura, ficando eu permanentemente no limiar do que é real entre nós e do que eu inventei. Isso se reflete nas nossas conversas, e vejo como as palavras realmente têm muito poder. 

Cada vez que chama meu nome, por exemplo, me vejo estremecer, como uma pedrinha que causa uma grande onda ao ser lançada na superfície límpida de um lago, ou quando diz que me ama e meu coração bate mais forte, como um jovem bobo e inexperiente, e aquelas cenas antes de adormecer, muitas delas baseadas nas que eu vi em muitos e muitos BLs pouco antes de deitar, um mundo criado no meu coração, desse desejo ardente que nasceu de uma carência, dessa minha imperfeição fundamental resultando num grande castelo de cartas feito na areia, prestes a ruir. 

Um antigo visitante retornou, e é claro que eu me deixei levar com aquele sorriso fofo, aquela personalidade iluminada, solar, e aquela inquietude, totalmente oposta a mim que, de inquieto tenho apenas o espírito. Mas ele me iluminou, e quase que fechei os olhos e me deixei levar por aquela voz frenética. 

Foi um encontro de dois corações? Ele falou tão empolgado quanto eu, mas pode ser apenas um hiperfoco, um interesse momentâneo, tão passageiro quanto intenso, um átomo que se explodiu e, logo depois se aquietou. Como explicar, então, o que senti, até mesmo agora dias depois, o coração batendo rápido e os olhos marejados quando penso nele, a respiração falhando ao lembrar do seu sorriso elétrico, seu cabelo meio loiro ou seu olhar inocentemente sensual que talvez só eu tenha visto?

Como explicar as opiniões que convergiram, a escolha de palavras, terá sido um mero acaso? O platonismo inerente a todo aquele diálogo foi recíproco? Será que também ele sonhou por um semestre inteiro por esse reencontro? Eu já havia perdido toda e qualquer esperança, me restando, mais do que uma turva recordação da sua figura, mas uma profunda lembrança da presença, algo do todo que ficou em meio a névoa imperdoável do tempo...

E então, ao contato com uma amiga, comecei a pensar nas vezes que tentei investigar essas coisas, sem conseguir chegar a nenhuma resposta. Tentando sondar os motivos que nos levam a aceitar tão pouco, fruto de tantas idealizações é claro, que nos fazem mendigar migalhas, mas de onde vem isso que nos faz assim, o que está tão profundamente enraizado em nós que se alimenta de pequenas gotas de afeto na superfície assim? O que nos faz ser assim? Não quero essas causas superficiais que se somam, quero aquela primeira, aquela imperfeição fundamental sobre a qual se cria todo esse imenso castelo de expectativas...

O castelo começa a ruir sempre que me dou conta, de uma forma brutalmente seca, como é instransponível a distância entre esses sonhos e a realidade. Não existe nem mesmo comparação. Não posso dizer que há um abismos, um deserto ou mil cidades entre nós, não posso nem mesmo exagerar e dizer que uma há galáxia que nos separa, porque mesmo se fosse assim, ainda estaríamos no mesmo mundo, mas não estamos, e não há um mundo em que sonhos se realizem, nem nesse mundo e em nenhum outro universo concebível. Estraguei tudo de novo. Desejos feitos para estrelas nunca se realizam. Nunca.

"A vida dos homens - dos homens que realmente vivem - é cheia desses mistérios, de pequenos enigmas que só se revelam aos poucos, à medida que vai ficando para trás, mais ou menos sepultada, a possibilidade de tirar partido, utilmente, dessas revelações. E por que não confessar? - A experiência é mais um fardo nos ombros do que uma lanterna a nos dirigir..." (Octavio de Faria)

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