quinta-feira, 14 de junho de 2018

Desvios da felicidade

A luz do dia, que timidamente passava pelas frestas da porta e da janela, revelou o meu desejo escondido. E a luz do meu desejo revelou também o seu desejo. 

Eu desejo você, e você a deseja. Essa é a verdade, fria e dura, que eu devo aceitar. E como a alma amante que sofre por amor não deseja conselho e nem consolo, a não ser que venham de quem a feriu, eu permanecerei assim, a desejar ser o objeto de seu desejo um dia. 

É a voz dela que você anseia ouvir dizendo seu nome. É mão dela que você anseia por acariciar o seu corpo. É o perfume dela que inebria os seus sentidos e que lhe entorpece a alma. Mas é a sua voz que eu desejo ouvir dizendo meu nome, é a sua mão que desejo segurar na noite escura, e é o seu cheiro que me hipnotiza. 

É com ela que você sonha, e é contigo que eu sonho. É ela que tem poder sobre você, e é você que tem poder sobre mim. É ela quem pode te tirar do abismo escuro da morte, e você quem me empurra para lá...

O seu corpo clama pela presença dela, e sua carne arde em luxuriosas fantasias, movida pelo seu amor. E eu, sozinho, desejo o mesmo amor que você joga ao chão, na esperança de que ela um dia pegue e o corresponda. Mas ela não vai fazer isso, e você bem sabe, e por isso você sofre, assim como eu sofro por saber que essa história não terminará bem para nenhum de nós. 

O fim se aproxima, e com ele nossas carnes em chamas se aproximam das cinzas. Onde está o nosso bom senso em fugir, em se esconder do amor que nasceu em nossos corações mas que como um parasita suga nossas forças e nos reduz as cascas, doando-nos inteiramente aqueles que nunca pediram pelo nosso coração?

Ah, o nosso bom senso jaz sepultado ao lado de nosso amor próprio. Assassinado pelo desejo bárbaro de cumprir as lascívias de nossa luxuriosa criatividade, e enterrado pelos instintos mais primitivos que nos cegam e nos desviam do caminho da verdadeira felicidade. 

Que prisão a nossa! Acorrentados ao peso de nossos desejos, e impossibilitados de ver as estrelas pois estamos cegos pela luz do sol, que não mais nos aquece a alma, senão que apenas nos reduz às cinzas...

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