sábado, 30 de junho de 2018

Da preocupação

Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.
(São João da Cruz)

Tão belo ver a delicadeza da atenção, do carinho, do cuidado. Acredito eu que a preocupação com o outro é um dos sentimentos mais belos que uma pessoa pode sentir pelo seu próximo. A preocupação é a manifestação do amor em forma de carinho. É a forma mais pura do amor se mostrar concretamente.

E eu vejo isso numa mãe que se preocupa com seu filho, que começa a se tornar independente, e com isso pensa em todas as coisas ruins que podem lhe acontecer em sua ausência. Mas ela não pode mantê-lo consigo para sempre, e aos poucos vai deixando que ele se vá, e volte cada vez mais tarde, até que um dia não volte mais, e saia pelo mundo para construir sua própria casa e, ao lado de outra pessoa, constituir sua própria fonte de preocupações. 

Também os amigos se preocupam uns com os outros. Ou ao menos deveriam preocupar-se. Mas infelizmente no mundo em que vivemos em que as pessoas estão cada vez mais fechadas em si mesmo isso tem se tornado uma raridade quase mitológica. 

Onde estão os amigos que se preocupam com o outro? Que querem ver o seus bem e felizes, que desejam as mesmas coisas e rejeitam as mesmas coisas? Onde estão os velhos amigos que desejavam gozar da presença do outro? 

Talvez seja eu o excluído dessa história, afinal eu não estou rodeado de amigos senão quando precisam de mim para alguma coisa, e nenhum deles em absoluto se preocupa realmente comigo, com exceção é claro daqueles momentos em que a boa educação se mostra mais latente do que a preocupação em si. 

Pergunta-se se alguém está bem não por uma preocupação real, mas por convenção social, e dificilmente se está disposto a ouvir, e tentar ajudar. 

Os limites da consciência humana nos reduziram a uma solidão absoluta, sendo que, ao meu ver, a única quebra efetiva desse muro que nos separa dos outros é a união entre mãe e filho, haja vista que até a união entre amado e amante, que deveria ser a mais perfeita das uniões, é hoje banalizada ao extremo. 

É irônico escrever essas palavras enquanto meu coração experimenta exatamente essas realidades que minha débil capacidade literária tenta exprimir. 

Meu coração se contorce de preocupação, e deseja dar a proteção que apenas o meu corpo pode oferecer. E essa é uma débil constatação porque minha frágil compleição não pode oferecer a ninguém nenhuma proteção, apenas o conforto de um coração quente do afago de minhas mãos. 

O que eu experimento é o desejo da alma pelo amado, e o desejo pela proteção do amado, que com seus braços fortes num abraço afasta as setas inflamadas do maligno que insistem em perfurar-me a carne. Mas não seria justamente esse abraço a causa da minha dor? Ora, não veio desse abraço o punhal que perfurou meu coração fazendo jorrar ao chão o meu sangue? 

Mas essa digressão vermelha não deve manchar a límpida dimensão do cuidado, da preocupação, que é como uma pérola preciosa, e reflete quanto amor e carinho há entre duas pessoas. Quanto mais brilhante, maior a preocupação, mais se quer bem o amado, ao passo que quanto menor, tanto menor é a consideração pela pessoa que até mesmo questiona-se se é amada...

Ah, então a alma amante suspira em preocupação pelo amado, que por entre as açucenas deseja escondê-lo do mundo, e ali deitar sua cabeça em seu colo e afagar seu cabelo, enquanto sentem a leve brisa do leque das arvores. A preocupação é em si o desejo pelo amado. 

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