quarta-feira, 27 de junho de 2018

Do Eu

Quem é você? 

Quem sou eu? Eu sou eu ué, mas eu já não sei o que isso significa. Quem sou eu? 

Quem é você, e qual o motivo de tantas lágrimas? 

Eu não sei porque estou chorando. Só sei que meu coração quer chorar, e não quer consolo, e nem conselho. Mas eu não sei o que ele tem...

Eu queria conseguir entender o que tem se passado comigo. Queria compreender o que são esses sentimentos conflitantes que pulsam de forma tão violenta dentro de mim. Queria saber o que é isso que me paralisa, que me pesa a alma e o coração como correntes de aço. 

Eu só queria entender essa minha tristeza...

Eu queria entender o que me faz suspirar quando ouço seu nome, entender o que me faz querer fugir ao ver seu semblante, entender o que me faz querer nunca mais ouvir sua voz, para que ela não desperte em mim o desejo do seu toque. 

O toque que não posso ter.

É culpa sua ser você.

Mas eu queria não ser eu. 
Eu amaldiçoo o meu eu. 

Esse eu que nasceu para amar um homem que nunca será capaz de me amar. Esse eu que é incapaz de se ver como alguém digno de honra ou do mínimo respeito, esse eu que não é mais do que os vermes mais imundos das ruínas que passam pela existência apenas para devorar os cadáveres. 

Onde está seu sorriso? 

Eu não sei. 

Não me lembro como é rir ou sorrir. Tudo o que me lembro é de como colocar uma máscara de sorriso, que no entanto já está rachada...

Onde está a sua música? 

Eu não sei.

A música foi diminuindo, diminuindo, e eu já não escuto mais. Não escuto minha voz, nem a voz do outro. Não escuto mais as batidas do meu próprio coração. Acho que ele parou. Não escuto mais aquela respiração. Estou sozinho, sentado no escuro, e a música não faz mais sentido. 

Onde está sua vida? 

Eu não sei.

Esse amor me consumiu, levou de mim o pouco que me restara. Agora eu não sou mais do que os restos dos cadáveres que os vermes roeram. Mas eu não sei para onde foi minha vida. Acho que sumiu no ar, como a névoa que se dissipa com o sol. O calor do corpo dele me fez sumir...

Se tudo se foi, qual a razão de você ainda estar aqui? 

Eu não sei.

Quem há de se divertir com o seu desespero dessa maneira? 

Eu não sei.

O destino?

Eu não sei.

O mundo?

Eu não sei.

Seu amado?

Eu não sei.

Seus amigos?

Eu não sei.

Deus?

EU NÃO SEI!

Você quer ser amado?

É claro que eu quero ser amado!

Mas você só quer ser amado por ele?

Eu não sei.

E se outro te amasse?

Eu não sei.

E o amor de seus pais?

Eu não sei.

Então você é amado?

Eu não sei.

Você busca amor ou prazer?

Eu não sei.

Você quer apenas satisfazer seus desejos não é?

Não, não é isso.

Você quer apenas libertar o monstro luxurioso que habita em você não é?

Não, isso não.

Você só quer saber de prazer! 

Não, eu não sou assim.

E quando buscou consolo no corpo do primeiro que te apareceu?

Eu não sei.

Você só queria ser saciado não era?

Eu não sei.

E ainda quer saciar seus desejos.

Eu não sei, eu não sou assim.

Você é, você é exatamente assim!

Não, eu não sou, pare com isso!

O que você quer que pare?

Quero parar de sofrer.

Como acabar com seu sofrimento?

Eu não sei.

Você quer morrer?

NÃO, EU NÃO QUERO MORRER.

Você quer viver?

EU NÃO SEI!

Então você quer morrer? 

EU NÃO SEI!

O que você deve fazer para encontrar uma nova razão para viver? 

EU JÁ DISSE QUE NÃO SEI!

Eu não sei a resposta pra nenhuma dessas perguntas, e justamente por isso elas ficam pulando de um lado pra outro em minha cabeça, me espetando como se fossem pequenas agulhas quentes a perfurarem a minha pele e queimarem minha carne. Elas me fazem refletir, sobre o que quero para mim, mas eu nunca chego a conclusão nenhuma.

Não quero buscar em alguém o que alguém me roubou. Não creio ser capaz de me elevar a tal ponto de não precisar de ninguém, tampouco. Eu necessito do outro, sou incapaz de viver só, e mesmo assim é a presença do outro em mim que me traz dor e sofrimento. 

Quem sou eu?

Eu tentei ser a fera que gritou EU no coração do mundo, mas o meu eu é a razão da minha desgraça. O meu eu é o algoz que me chicoteia impiedosamente, apenas pelo prazer de ver meu sangue negro escorrer pela minha pele rasgada pelas garras do demônio do amor que me emboscou. 

E eu continuo sendo eu, mesmo sem saber o que significa ser eu mesmo. Sei que o outro continua sendo ele mesmo, e o outro não sou eu. E eu não posso chegar ao outro, não posso tocar o outro, não posso amar o outro, pois o outro está longe demais para se sentir amado, e o mais importante: o outro não quer ser por mim amado. O outro deseja o amor de outra, não uma outra, mas qualquer outra, qualquer outra que não seja eu. 

E eu continuo sendo eu.
Mas eu queria não ser eu. 

Eu amaldiçoo o meu eu. 

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