sábado, 6 de julho de 2019

Do que tem medo?

Deve sobreviver aquele que tem vontade pra fazer com que isso aconteça! Ele desejou a morte. 
Ele ignorou sua vontade de sobreviver e escolheu morrer por uma falsa esperança. Sobreviver não é um erro!

Já não tenho mais essa vontade. Ela morreu e sinto que também eu devo morrer, desaparecer. Aliás, sinto como se já estivesse morto há tempos. Sinto como se já devesse ter sido enterrado há muito tempo. O que vive é apenas meu corpo e os poucos recessos de minha mente. Minha alma se esvaiu, perdeu-se na imensidão do caos. Meu corpo então deseja essa morte, o fim da existência. O retorno aquele útero primitivo onde não havia dor, nem confusão, apenas a perenidade. Não tenho mais essa vontade, se esvaiu no vento como pó e se perdeu na imensidão de toda desordem. Talvez seja esse o ponto mais baixo da existência, o de renegar o próprio ser. Mas eu continuo sobrevivendo, e pensando que sim, isso é um erro.

No meu caso é. É um erro pois eu não sou mais do que um grande erro. É um erro pois não há razão e nem benevolência em persistir numa existência de dor, sofrimento e confusão. Vivo mergulhado no completo caos, desesperado ao me deparar com cada uma das barreiras que se colocam em eu e os outros. Esse Campo de Terror Absoluto que me separa de cada ser num universo tão diferente e longínquo que nunca conseguirei de fato tocar o coração de ninguém. 

- Do que tem medo?

- De mim mesmo.

- Do que tem medo?

- De me olhar no espelho.

- Do que tem medo?

- Daquele que é perfeito diante de mim.

- Do que tem medo? 

- Da barreira que há entre nós.

- Do que tem medo?

- Da distância que nos separa.

- Do que tem medo?

- De não ser bom o bastante.

- Do que tem medo?

- De falhar. De cair. 

- Do que tem medo?

- De ser eu mesmo e esse ser não ser bom o bastante. Nem para mim e nem para os outros.

Tenho medo de nunca conseguir me destacar, de nunca chegar a conquistar nada, de viver mergulhado tão profundamente na mediocridade que meu fim seja a marginalidade completa, velho e esquecido num casebre sem as mínimas condições de sobrevivência, repleto apenas de pensamentos pessimistas e bebidas. Tão absorto em toda essa mixórdia de pavores que o próprio demiurgo se compadeça de mim e apague esse meu ser de tão desprezível existência. Esse medo me faz lutar com todas as forças, me lançar de cabeça nas dores e nos problemas mais horripilantes, de suportar humilhações e desaforos, apenas pra não se afastarem de mim, apenas para que me amem, apenas para que continuem ao meu lado... Eu não quero ficar sozinho, não quero ser esquecido, não quero ficar sozinho.

- É claro, tem alguma coisa errada nisso? Eu estou fazendo a coisa certa, e quando eu faço isso os outros apreciam, os outros gostam de mim.

- Você ta mentindo! Você é idiota? Você sabe muito bem que faz isso por você mesmo! Você só ta inventando desculpas como sempre faz!

- Eu faço isso?

- Fingindo que ta se sacrificando pelo bem dos outros é só outra desculpa. Bancar o mártir te faz se sentir especial. 

- Eu não sei se isso é verdade...

- Está se sentindo solitário e isolado, só isso!

- Estou?

- Claro que está! Você vive de compaixão e consegue isso com seu EVA Shinji!

- Isso pode ser verdade...

- Você adora que os outros dependam de você e isso satisfaz sua pequena mente distorcida!

- Ergh, pode ser... Ah.

- Se quiser a verdadeira felicidade, vai ter que encontrar ela sozinho! E não ficar esperando que alguém a dê pra você!

- Mas não é isso que você tem feito?

Eu desejo ser bom, ser suficientemente bom. Desejo ser o bastante para mim e para os outros. Por isso eu faço o que os outros querem que eu faça. Por isso eu dou o meu melhor em tudo que me proponho a fazer. Tento ser atencioso, educado, generoso... Mas tudo isso parece em vão quando vejo que, por mais que eu me esforce, nunca é o suficiente. Os outros sempre querem mais, mesmo quando não há mais nada em mim. E então me abandonam, viram o olhar, me deixam falando sozinho... E eu fico só, novamente e mais uma vez sozinho.

Sentindo então que não sou suficiente, necessário, perco o único laço que me liga aos demais. Perco aquilo que me definia como eu mesmo. E começo a, lentamente, desaparecer... Minhas extremidades adormecem, e aos poucos não sinto meus dedos. A letargia anuvia minha mente enquanto a sensação de anestesia começa a percorrer meu sangue, meus ossos até o tutano... Estou desaparecendo, estou sumindo. 

Para estabelecer minha identidade, tenho que me comunicar com as mentes de muitas pessoas. Tenho que examinar isso que está no meu núcleo.

Eu, no entanto, não consigo fazer isto. Existe uma barreira entre eu e as outras pessoas que não pode ser quebrada. Veja se pode. Existe uma barreira entre eu e uma pessoa. Uma barreira de 1,94 m Essa pessoa não se abre comigo de jeito nenhum... Eu posso estar tentando com um empenho de 400%, mas todo esse empenho é fruto da minha iniciativa de me aproximar dele, por mais que ele meso se mantenha distante de mim, sem ultrapassar essa linha. Até o final ele vem mantendo essa distância. Tenho enfrentado dificuldades em perceber que essa linha era o "limite" do seu coração. Só que, do jeito que as coisas estão, eu sou o único a sofrer danos psicológicos (por causa do grande volume de emoções que compartilho abrindo meu coração na tentativa de abri o dele) e percebo que não posso mais continuar assim. 

Quanto mais eu tento remover essa barreira, mas alta ela se ergue. Quanto maior a pressão exercida, maior é a resistência. Preciso ceder e ver o que acontece. Preciso criar um lugar para ele em meu coração e passar a apoiá-lo... Por isso, em meu coração, devo reconhecê-lo como indivíduo independente. Eu e ele somos separados por uma linha imaginária, diferenciando que sou eu de quem ele é. Uma linha que nos distancia como o Sol está distante da Terra.

- Isso é o que você teme? Que você possa se tornar nada? Está com medo de que possa desaparecer da mente dos outros em outra existência. 

- Eu tenho medo, porque isso? 

- Porque seu atual eu jamais teria existido!

Está com medo não é?

- Porque você vai deixar de existir, você vai deixar de existir...

Está com medo não é?

- Não, não estou.  Eu sou feliz.  

- Porque eu quero morrer.  Eu quero desesperança. 
Eu quero voltar ao nada. Mas eu não posso.  Ele não vai me deixar voltar a inexistência. Ainda não. Eu ainda existo porque ele precisa de mim. Mas quando tudo acabar, quando eu não tiver mais utilidade, ele vai me abandonar. Eu rezei pelo dia em que ele ma abandonaria. Mas agora... Agora eu tenho medo

E de novo retomo o ponto de que cheguei no lugar mais baixo da existência, o de renegar o próprio ser e dessa forma, desejar o nada, desejar voltar aquele tempo em que não existia, em que não havia dor e sofrimento, em que não havia esse Campo de Terror Absoluto que me separa de todos os outros provocando a mais absoluta falta de entendimento a qual fomos condenados desde a Torre de Babel. Essa minha imperfeição fundamental, esse vazio no âmago do meu ser que tento complementar com o coração do outro que me é inacessível. Esse desespero de estar há milênios de distância de alguém que senta ao meu lado. 

De novo retorno ao desejo pelo fim, ao apego pela morte, afinal de contas todos morreremos um dia, qual a razão em prolongar uma existência assim, tão patética e tão profundissimamente inconformada consigo mesmo? 

Por isso que quero voltar ao nada, quero que todas as coisas sumam, que o universo desmorone, quero que tudo retorne ao nada. Eu quero morrer, pois já deveria estar morto, minha vida é uma afronta a existência de todos os outros. Eu quero a inexistência, a desesperança. Eu quero o fim. 

E o aperfeiçoamento do homem via Instrumentalidade tem início. 



~



OBS.: O texto em itálico foi retirado de Neon Genesis Evangelion, de Hideaki Anno, as demais partes são as minhas reflexões usando-o como ponto de partido para um pensamento mais elaborado.

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