segunda-feira, 22 de julho de 2019

Oceano

Minha vida tem sido uma eterna fuga. Fujo de meus demônios, de meus medos, fujo do mundo que me rodeia, da realidade que me abarca, da eternidade que me transcende. Sempre fugindo, me escondendo, de tudo e de todos, como uma criança fugindo da escola pela porta dos fundos, os joelhos trêmulos e o coração acelerado. 

Fugir é mais fácil. Lutar é para os fortes, para aqueles que conseguem enfrentar seus inimigos com as mãos ou a voz, e eu não consigo enfrentar nada além do meu próprio reflexo num espelho quebrado. É mais fácil deixar-me abraçar pelo sono lisérgico dos benzodiazepínicos do que permanecer vigilante e ser obrigado a contemplar as hordas de mortos-vivos que me rodeiam buscando devorar-me a carne e os ossos. É mais fácil fugir para aquele terreno intocável, onde ninguém pode colocar os pés, onde apenas posso lamber as minhas feridas como o cãozinho assustado que sou. 

O sono tem sido meu único refúgio confortável nesse mundo, lá ninguém pode me ferir como o fazem aqui. É o único refúgio dos covardes pois, não há abrigo para pessoas como eu nesse mundo. 

As máscaras são os portões que me separam de todos. O sorriso descontraído, o semblante calmo, as piadas esdrúxulas, tudo meticulosamente calculado para que ninguém perceba a tempestade que castiga as minhas encostas. Os ventos impetuosos agitam as águas e fazem todo homem tremer de medo. Assim é meu coração, numa inquietude perpétua e poderosa como a do mar. Eu não nasci do mar, mas sou daqui, aparentemente calmo em minha languidez titânica, mas poderosamente impetuoso em minha tempestiva fúria desordenada. A calma e a fúria, os aspectos conflitantes de minha personalidade. O interior e o exterior, a dicotomia que rege minha existência num mundo de individualidades que se chocam como as ondas na praia. 

Mas não é como se precisasse das máscaras. A minha própria existência é, por si, um muro que afasta todos do meu verdadeiro eu. Ninguém me vê senão da forma como me imagina, e cada um a sua maneira. Um louco que não compreende a razão da própria existência, um sátiro niilista, um cristão confuso. Todos estão errados e não enxergam mais do que uma pequena fração de mim. Não são capazes de ver o todo, isso é óbvio, mas sequer conseguem ver tudo o que permito que vejam. Estão cegos, por suas próprias máscaras.

Eu sou a soma da consciência de mim mesmo, e de todos os elementos essenciais e acidentais que me compõem. Eu sou o que sou, e nada mais do que isso. Seja lá quem quer que eu seja, eu sou, mas ninguém pode ver isso. 

Sigo então, como o mar e para o mar em minha fuga, calmo como a maré que lambe delicadamente as pernas dos transeuntes e destrutivo como o tsunami, que arrasa por onde quer que passe. Imponente e misterioso como o próprio Okeanos

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